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IDEOLOGIAS: Em busca do centro perdido
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IDEOLOGIAS: Em busca do centro perdido
O centro não pode ser um pote pós-ideológico, uma terra de ninguén. Nem ser um recurso tático. Deve ser uma opção estratégica de afirmação e execução de políticas públicas numa democracia consolidada.
Tive muitas dúvidas na escolha do título desta crónica: em busca do centro perdido ou requiem pelo centro.
Creio, no entanto, que qualquer dos títulos espelhará bem o desnorte e a perplexidade existentes, quer nos sistemas de partidos e de governo europeus, quer ainda do outro lado do Atlântico, atendendo ao que se passa, actualmente, nas primárias para a presidência dos USA.
Com efeito, estamos paulatinamente a consolidar posições extremadas com o sucesso de protagonistas, cujo elemento agregador é o ataque ao centro político tradicional.
No caso da Europa, está em causa o consenso do pós-guerra entre a democracia cristã e os sociais-democratas (no Reino Unido entre trabalhistas e conservadores) e, nos USA, o tradicional equilíbrio entre as alas centrais, moderadas, de republicanos e democratas.
A mensagem comum assenta no nacionalismo, na defesa, muitas vezes exacerbada e xenófoba, do elemento patriótico, numa crítica ao mercado e na exploração do ressentimento em torno de um discurso antipolítica e antipolíticos (veja-se v.g. o livro publicado em França com este título: Les Antipotiques, Jacques de Saint Victor, Grasset, 2014).
Ora, naturalmente, também entre nós, se coloca a dúvida sobre o significado, a importância e actualidade do centro político. Para alguns, ele perdeu-se ou está fragilizado; para outros, pode voltar a ser uma oportunidade de afirmação eleitoral.
A verdade é que Portugal tem, nestes últimos 38 anos, sido um caso de escolhas eleitorais ao centro. As eleições presidenciais são disso um exemplo, onde do sufrágio direto e universal sempre resultou a eleição de presidentes com um programa de centro político.
O presidente Aníbal cavaco Silva, que termina agora o seu mandato, foi, tanto pelo discurso como pela acção ou, para alguns, a ausência dela, claramente um presidente ao centro do espectro político.
O presidente eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, que esta semana toma posse é, também, quer pelo seu percurso político quer pela sua actividade universitária e cívica, uma figura do centro político. Aliás, ele mesmo, durante a última campanha, se auto designou com sendo um candidato à esquerda da direita, isto é: ao centro.
Mas como podemos caracterizar o centro político?
Em primeiro lugar, não se julgue que o centro, enquanto espaço referencial num sistema político, constitui um todo compacto, homogéneo, onde não existe diferença nem tensão. Antes pelo contrário, dentro do centro também existem divergências, choques, fissuras. Temos um centro-esquerda, um centro-direita e também, muitas vezes, um centro de geometria variável, qual charneira para muitas soluções de governo.
Por outro lado, defender a importância do centro político, não dispensa o papel central dos partidos políticos. Estes devem procurar abrir-se à sociedade, cujos interesses plurais e complexos representam. Os partidos devem recrutar os melhores, em cada domínio do pensamento e da ação. Sem, obviamente, perderem a sua identidade, o cimento histórico da sua militância, mas acompanhando a mudança sociocultural.
O espaço público precisa de arejamento, as elites devem circular, os lugares públicos devem ser, tendencialmente, limitados no tempo. No fundo, a defesa do centro, não pode ser sinal de imobilismo, concentração de poder, falta de transparência ou um mero rotativismo.
A conquista e o exercício do poder não podem valer por si, mas como caminho para melhor servir o interesse comum. Partilhando angústias e valores, perigos e oportunidades para melhorar a vida de todos.
E o centro só se conquista e valoriza a partir de convicções políticas fortes e não suportado apenas em qualquer pensamento débil ou vazio de valores. É a partir da esquerda ou da direita que se pode chegar o centro político.
Afirmar o centro não é concluir pelo fim das clivagens programáticas, nem somente mais um oportunismo serôdio de quem, de repente, se volta a converter em social-democrata ou democrata-cristão, após um período de deriva popular-liberal, qual sinal caído do céu numa qualquer estrada de Damasco da pós-governação.
Ou seja, apelar ao centro, só pode ser o resultado de uma vontade firme assente nos princípios e valores de onde se parte (esquerda ou direita) em busca de soluções de governação.
O centro também não pode ser um qualquer pote pós-ideológico, qual terra de ninguém da política. Como não pode ser apenas mais um recurso tático. Deve, isso sim, ser uma verdadeira opção estratégica de afirmação e execução de políticas públicas numa democracia consolidada.
Por fim, mas não menos importante, o centro político não pode ser reduzido a um instrumento de marketing político, que se usa e deita fora, após cada disputa eleitoral.
E é face a esta caracterização que muitos afirmam que não há política sem conflito e que tem sido a moleza desse consenso ao centro que tem afastado progressivamente os eleitores da do espaço público. Ou, como outros afirmam, que tem sido a ausência de um discurso claro sobre projetos políticos, sobre alternativas de política económica, a afastar os cidadãos da política (numa verdadeira lógica de confronto amigo/inimigo como defendia Carl Schmitt).
Só que também é evidente que foi o centro que estabilizou a América depois da independência. Foi o centro que garantiu, até hoje, a perenidade do chamado modelo de Westminster, vigente no Reino Unido e hoje aplicado no Canadá, Austrália ou na Nova Zelândia. Como foi ainda o centro político a razão do reconhecido sucesso das democracias do arco escandinavo ou da Alemanha depois de 1949.
Mas o que merece maior preocupação é que esse apelo do centro, como referi no início, parece começar pouco a pouco a ruir.
E nós sabemos que a história política dos países não tem sido linear, encontrando-se sempre sujeita a fluxos e refluxos (dei corsi i dei ricorsi, na designação original de Giambattista Vico). Exemplos desses mesmos refluxos, tivemo-los entre as duas guerras mundiais ou, nos países comunistas, após a segunda guerra.
Um novo refluxo parece surgir agora como consequência da globalização, da crise de crescimento económico, dos fundamentalismos ou, ainda, do alegado insucesso da política na diminuição das desigualdades.
Fala-se, por isso, no regresso da política. Fala-se no fim dos falsos consensos. Fala-se de um modelo alternativo de sociedade e economia. Fala-se, sobretudo, no retorno das utopias ou, pelo menos, das ideologias. Alguma coisa será. Porventura nada de muito inovador, até porque a política sem utopia não terá sentido e alguma ideologia sempre existirá.
Talvez um regresso da velha dicotomia esquerda-direita. Ninguém conhece o futuro. Não há determinismos nem, propriamente, um destino humano, a caminho do espírito absoluto, como defendia Georg Hegel. Ou seja, não sabemos em que medida os tempos que se avizinham serão ou não tempos sombrios (como lhes chamou Hannah Arendt).
Provavelmente, serão tempos onde se acentuará o radicalismo. Tempos onde se voltarão a extremar posições com base numa agenda radical acerca dos valores sociais e do modo de os preservar.
Serão ainda tempos onde crescerá a tendência para o choque de civilizações (usando o conceito de Samuel Huntington), contra a velha esperança kantiana e wilsoniana no universalismo e na paz através do direito. Tempos onde, perante crescimento da sociedade de informação maximizadora da transparência, a responsabilidade exigida aos que decidem sobre a vida pública se acentuará.
Em suma, com algum optimismo talvez ainda não seja o tempo do requiem pelo centro político. Este ainda continuará a fazer sentido. Não enquanto falso unanimismo, qual versão idílica de paz perpétua, mas como espaço de pluralismo, oportunidade e equilíbrio, na gestão democrática das nossas sociedades.
Professor universitário
José Conde Rodrigues
8/3/2016, 8:16
Observador
Tive muitas dúvidas na escolha do título desta crónica: em busca do centro perdido ou requiem pelo centro.
Creio, no entanto, que qualquer dos títulos espelhará bem o desnorte e a perplexidade existentes, quer nos sistemas de partidos e de governo europeus, quer ainda do outro lado do Atlântico, atendendo ao que se passa, actualmente, nas primárias para a presidência dos USA.
Com efeito, estamos paulatinamente a consolidar posições extremadas com o sucesso de protagonistas, cujo elemento agregador é o ataque ao centro político tradicional.
No caso da Europa, está em causa o consenso do pós-guerra entre a democracia cristã e os sociais-democratas (no Reino Unido entre trabalhistas e conservadores) e, nos USA, o tradicional equilíbrio entre as alas centrais, moderadas, de republicanos e democratas.
A mensagem comum assenta no nacionalismo, na defesa, muitas vezes exacerbada e xenófoba, do elemento patriótico, numa crítica ao mercado e na exploração do ressentimento em torno de um discurso antipolítica e antipolíticos (veja-se v.g. o livro publicado em França com este título: Les Antipotiques, Jacques de Saint Victor, Grasset, 2014).
Ora, naturalmente, também entre nós, se coloca a dúvida sobre o significado, a importância e actualidade do centro político. Para alguns, ele perdeu-se ou está fragilizado; para outros, pode voltar a ser uma oportunidade de afirmação eleitoral.
A verdade é que Portugal tem, nestes últimos 38 anos, sido um caso de escolhas eleitorais ao centro. As eleições presidenciais são disso um exemplo, onde do sufrágio direto e universal sempre resultou a eleição de presidentes com um programa de centro político.
O presidente Aníbal cavaco Silva, que termina agora o seu mandato, foi, tanto pelo discurso como pela acção ou, para alguns, a ausência dela, claramente um presidente ao centro do espectro político.
O presidente eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, que esta semana toma posse é, também, quer pelo seu percurso político quer pela sua actividade universitária e cívica, uma figura do centro político. Aliás, ele mesmo, durante a última campanha, se auto designou com sendo um candidato à esquerda da direita, isto é: ao centro.
Mas como podemos caracterizar o centro político?
Em primeiro lugar, não se julgue que o centro, enquanto espaço referencial num sistema político, constitui um todo compacto, homogéneo, onde não existe diferença nem tensão. Antes pelo contrário, dentro do centro também existem divergências, choques, fissuras. Temos um centro-esquerda, um centro-direita e também, muitas vezes, um centro de geometria variável, qual charneira para muitas soluções de governo.
Por outro lado, defender a importância do centro político, não dispensa o papel central dos partidos políticos. Estes devem procurar abrir-se à sociedade, cujos interesses plurais e complexos representam. Os partidos devem recrutar os melhores, em cada domínio do pensamento e da ação. Sem, obviamente, perderem a sua identidade, o cimento histórico da sua militância, mas acompanhando a mudança sociocultural.
O espaço público precisa de arejamento, as elites devem circular, os lugares públicos devem ser, tendencialmente, limitados no tempo. No fundo, a defesa do centro, não pode ser sinal de imobilismo, concentração de poder, falta de transparência ou um mero rotativismo.
A conquista e o exercício do poder não podem valer por si, mas como caminho para melhor servir o interesse comum. Partilhando angústias e valores, perigos e oportunidades para melhorar a vida de todos.
E o centro só se conquista e valoriza a partir de convicções políticas fortes e não suportado apenas em qualquer pensamento débil ou vazio de valores. É a partir da esquerda ou da direita que se pode chegar o centro político.
Afirmar o centro não é concluir pelo fim das clivagens programáticas, nem somente mais um oportunismo serôdio de quem, de repente, se volta a converter em social-democrata ou democrata-cristão, após um período de deriva popular-liberal, qual sinal caído do céu numa qualquer estrada de Damasco da pós-governação.
Ou seja, apelar ao centro, só pode ser o resultado de uma vontade firme assente nos princípios e valores de onde se parte (esquerda ou direita) em busca de soluções de governação.
O centro também não pode ser um qualquer pote pós-ideológico, qual terra de ninguém da política. Como não pode ser apenas mais um recurso tático. Deve, isso sim, ser uma verdadeira opção estratégica de afirmação e execução de políticas públicas numa democracia consolidada.
Por fim, mas não menos importante, o centro político não pode ser reduzido a um instrumento de marketing político, que se usa e deita fora, após cada disputa eleitoral.
E é face a esta caracterização que muitos afirmam que não há política sem conflito e que tem sido a moleza desse consenso ao centro que tem afastado progressivamente os eleitores da do espaço público. Ou, como outros afirmam, que tem sido a ausência de um discurso claro sobre projetos políticos, sobre alternativas de política económica, a afastar os cidadãos da política (numa verdadeira lógica de confronto amigo/inimigo como defendia Carl Schmitt).
Só que também é evidente que foi o centro que estabilizou a América depois da independência. Foi o centro que garantiu, até hoje, a perenidade do chamado modelo de Westminster, vigente no Reino Unido e hoje aplicado no Canadá, Austrália ou na Nova Zelândia. Como foi ainda o centro político a razão do reconhecido sucesso das democracias do arco escandinavo ou da Alemanha depois de 1949.
Mas o que merece maior preocupação é que esse apelo do centro, como referi no início, parece começar pouco a pouco a ruir.
E nós sabemos que a história política dos países não tem sido linear, encontrando-se sempre sujeita a fluxos e refluxos (dei corsi i dei ricorsi, na designação original de Giambattista Vico). Exemplos desses mesmos refluxos, tivemo-los entre as duas guerras mundiais ou, nos países comunistas, após a segunda guerra.
Um novo refluxo parece surgir agora como consequência da globalização, da crise de crescimento económico, dos fundamentalismos ou, ainda, do alegado insucesso da política na diminuição das desigualdades.
Fala-se, por isso, no regresso da política. Fala-se no fim dos falsos consensos. Fala-se de um modelo alternativo de sociedade e economia. Fala-se, sobretudo, no retorno das utopias ou, pelo menos, das ideologias. Alguma coisa será. Porventura nada de muito inovador, até porque a política sem utopia não terá sentido e alguma ideologia sempre existirá.
Talvez um regresso da velha dicotomia esquerda-direita. Ninguém conhece o futuro. Não há determinismos nem, propriamente, um destino humano, a caminho do espírito absoluto, como defendia Georg Hegel. Ou seja, não sabemos em que medida os tempos que se avizinham serão ou não tempos sombrios (como lhes chamou Hannah Arendt).
Provavelmente, serão tempos onde se acentuará o radicalismo. Tempos onde se voltarão a extremar posições com base numa agenda radical acerca dos valores sociais e do modo de os preservar.
Serão ainda tempos onde crescerá a tendência para o choque de civilizações (usando o conceito de Samuel Huntington), contra a velha esperança kantiana e wilsoniana no universalismo e na paz através do direito. Tempos onde, perante crescimento da sociedade de informação maximizadora da transparência, a responsabilidade exigida aos que decidem sobre a vida pública se acentuará.
Em suma, com algum optimismo talvez ainda não seja o tempo do requiem pelo centro político. Este ainda continuará a fazer sentido. Não enquanto falso unanimismo, qual versão idílica de paz perpétua, mas como espaço de pluralismo, oportunidade e equilíbrio, na gestão democrática das nossas sociedades.
Professor universitário
José Conde Rodrigues
8/3/2016, 8:16
Observador
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