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Corrupção, vício moral ou talvez não... só?
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Corrupção, vício moral ou talvez não... só?
Constata-se um desfalecimento na exigência dos comportamentos éticos e morais das elites sociais e culturais: isso tem permitido uma erosão chocante do valor da intocabilidade do bem público
1. É impressionante a regularidade com que a imprensa mundial vai relatando a ocorrência de graves casos de corrupção.
Quem vir televisão, ouvir rádio e ler jornais não pode senão ficar abismado com a amplitude e vulgaridade desse fenómeno e os seus impactos sociais devastadores.
A descrição de tais crimes vem, em geral, sendo feita pelos media com maior pormenor e a sua explicação técnica, financeira e económica é cada vez mais rigorosa. Isso torna-os, pois, mais chocantes para a maioria dos cidadãos.
Na maior parte das vezes, contudo, não são desenvolvidas análises públicas complementares e capazes de esclarecer como, e em que medida, a corrupção pode afetar o dia-a-dia dos cidadãos.
Por isso, fiquei impressionado com a forma lúcida como um magistrado italiano, entretanto nomeado assessor do primeiro-ministro desse país, explicou ao “La Repubblica” – com exemplos concretos e mais facilmente compreensíveis para todos os cidadãos – a incidência de tal crime na vida quotidiana dos habitantes de uma cidade: referia-se ele aos buracos das ruas como consequência dos contratos firmados pela municipalidade com empresas “amigas”, primeiro para as pavimentar e depois para as reparar e manter.
Uma explicação clara, objetiva e continuada das razões e dos efeitos perniciosos da corrupção na vida de todos nós pode mais contra esse tipo de criminalidade do que todos os discursos moralistas que, em regra, se ouvem.
2. Não deixa, pois, de ser surpreendente que a abordagem crítica deste fenómeno criminal seja feita quase sempre em torno de uma abstrata “moralidade perdida”.
Tais análises centram-se muito pouco, de facto, nas condições materiais – políticas e económicas – que têm permitido que a corrupção se venha transformando num vício endémico da vida económica e social.
É verdade que se constata um desfalecimento na exigência dos comportamentos éticos e morais das elites sociais e culturais, o que tem permitido uma erosão chocante do valor da intocabilidade do bem público.
É verdade, também, que não podemos encostar este tipo de comportamentos unicamente a um dos lados da vida política.
Assim é, embora os media pareçam exprimir, ainda hoje, maior indignação moral quando relatam a corrupção que se desenvolve em áreas políticas da esquerda.
Todavia, pese a importância desses juízos ético-morais, e bem assim a necessidade da sua exteriorização pública, se queremos compreender o crescimento da corrupção, importa sobretudo procurar atentar nas condições político-económicas que têm facilitado o seu desenvolvimento.
São elas – e não o definhamento moral – que explicam, aliás, que a corrupção não privilegie áreas políticas determinadas.
Tais condições são objetivas, mas são também o resultado de opções políticas evidentes.
Recordemos: o desmantelamento progressivo da administração pública republicana, o fim das carreiras profissionais públicas, a substituição de muitos dos seus quadros profissionais mais qualificados e dedicados por outros contratados em outsourcing aos aparelhos económicos e políticos, a atribuição do exercício de funções – antes tipicamente do Estado – a empresas privadas cujo único e necessário fito é o lucro, enfim: a confusão generalizada entre interesses públicos e privados.
Tudo isto – muito mais do que um verdadeiro mas sempre empolado empobrecimento moral da sociedade – pode explicar os comportamentos corruptos de muita gente, mesmo da mais insuspeita.
Controlar, prevenir e punir a corrupção é imprescindível, mas não basta.
Jurista. Escreve à terça-feira
22/03/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
1. É impressionante a regularidade com que a imprensa mundial vai relatando a ocorrência de graves casos de corrupção.
Quem vir televisão, ouvir rádio e ler jornais não pode senão ficar abismado com a amplitude e vulgaridade desse fenómeno e os seus impactos sociais devastadores.
A descrição de tais crimes vem, em geral, sendo feita pelos media com maior pormenor e a sua explicação técnica, financeira e económica é cada vez mais rigorosa. Isso torna-os, pois, mais chocantes para a maioria dos cidadãos.
Na maior parte das vezes, contudo, não são desenvolvidas análises públicas complementares e capazes de esclarecer como, e em que medida, a corrupção pode afetar o dia-a-dia dos cidadãos.
Por isso, fiquei impressionado com a forma lúcida como um magistrado italiano, entretanto nomeado assessor do primeiro-ministro desse país, explicou ao “La Repubblica” – com exemplos concretos e mais facilmente compreensíveis para todos os cidadãos – a incidência de tal crime na vida quotidiana dos habitantes de uma cidade: referia-se ele aos buracos das ruas como consequência dos contratos firmados pela municipalidade com empresas “amigas”, primeiro para as pavimentar e depois para as reparar e manter.
Uma explicação clara, objetiva e continuada das razões e dos efeitos perniciosos da corrupção na vida de todos nós pode mais contra esse tipo de criminalidade do que todos os discursos moralistas que, em regra, se ouvem.
2. Não deixa, pois, de ser surpreendente que a abordagem crítica deste fenómeno criminal seja feita quase sempre em torno de uma abstrata “moralidade perdida”.
Tais análises centram-se muito pouco, de facto, nas condições materiais – políticas e económicas – que têm permitido que a corrupção se venha transformando num vício endémico da vida económica e social.
É verdade que se constata um desfalecimento na exigência dos comportamentos éticos e morais das elites sociais e culturais, o que tem permitido uma erosão chocante do valor da intocabilidade do bem público.
É verdade, também, que não podemos encostar este tipo de comportamentos unicamente a um dos lados da vida política.
Assim é, embora os media pareçam exprimir, ainda hoje, maior indignação moral quando relatam a corrupção que se desenvolve em áreas políticas da esquerda.
Todavia, pese a importância desses juízos ético-morais, e bem assim a necessidade da sua exteriorização pública, se queremos compreender o crescimento da corrupção, importa sobretudo procurar atentar nas condições político-económicas que têm facilitado o seu desenvolvimento.
São elas – e não o definhamento moral – que explicam, aliás, que a corrupção não privilegie áreas políticas determinadas.
Tais condições são objetivas, mas são também o resultado de opções políticas evidentes.
Recordemos: o desmantelamento progressivo da administração pública republicana, o fim das carreiras profissionais públicas, a substituição de muitos dos seus quadros profissionais mais qualificados e dedicados por outros contratados em outsourcing aos aparelhos económicos e políticos, a atribuição do exercício de funções – antes tipicamente do Estado – a empresas privadas cujo único e necessário fito é o lucro, enfim: a confusão generalizada entre interesses públicos e privados.
Tudo isto – muito mais do que um verdadeiro mas sempre empolado empobrecimento moral da sociedade – pode explicar os comportamentos corruptos de muita gente, mesmo da mais insuspeita.
Controlar, prevenir e punir a corrupção é imprescindível, mas não basta.
Jurista. Escreve à terça-feira
22/03/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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