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Recorte esta crónica, leia daqui a 20 anos
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Recorte esta crónica, leia daqui a 20 anos
Numa década, a geração contemporânea e a sua seguinte já possuirão mais nostalgia do que medo do Estado Novo. A ordem e a grandeza ultramarina serão frutos sedutores perante um projeto europeu morto e a ausência de soluções para o terror, os refugiados e a soberania financeira dos 28.
Se ainda faz parte das almas sãs que compram jornais em papel, recorte esta página. Guarde a crónica numa gaveta e espere dez anos, se quiser.
Portugal é o único país no mundo em que se acredita que os “sociais-democratas” são de direita e que os “neoliberais” gostam de aumentar impostos. Esta ignorância política serve a classe política em exercício. Depois do 25 de Abril, tudo o que for menos socialista é mais salazarista. Trata-se de uma dialética demagógica que beneficia interesses eleitorais, adiando reformas difíceis mas necessárias.
Os EUA também são o único país do mundo em que o centro-direita se recusa a limitar o acesso a armas depois de morrerem mais de 300 mil cidadãos em tiroteios domésticos numa década. Aí, a dialética é mais antiga: tudo o que for mais socialista é menos americano.
Se um americano republicano se olhasse ao espelho, o reflexo seria um socialista português. A direita deles sofre dos males da nossa esquerda: fundamentalismo ideológico, discurso populista, literalização da Constituição e uma enorme dificuldade em adaptar-se ao presente.
Em ambos há uma leitura oportunista dos textos constitucionais, mas do mesmo modo que os americanos já não desejam apenas o direito à vida, liberdade e perseguição da felicidade, os portugueses já perceberam que o imenso rol de direitos que lhes é prometido tem uma insustentabilidade facilmente convertida em miséria.
Se faz sentido estender os direitos norte-americanos a um novo patamar daria uma ótima discussão e não é por aí que pretendo enveredar.
A maior parte dos especialistas não considera a aventura viável; no entanto, o eleitor americano prefere sonhar do que pensar a realidade económica. A vontade de ter mais Estado nas suas vidas é visível nas preferências pelos programas de Donald Trump ou de Bernie Sanders. Talvez a cidadania seja mesmo como um casamento: só se dá valor àquilo que não se tem.
A geringonça é o princípio do fim do Partido Socialista português, assim como o Tea Party foi o princípio do fim do Partido Republicano americano. A partir daqui, parece-me, só poderá piorar. O problema da manutenção de um eleitorado ignorante para objetivos políticos é que um dia aparece um fanático com objetivos nada democráticos.
Trump veio dar o golpe final no Grand Old Party; algo pior que António Costa encarregar-se-á de exterminar de vez o nosso progressismo moderado. Se esse algo virá do PS ou do Bloco de Esquerda, não sei. Pelo andar da carruagem, as perspetivas são negras.
Os sobreviventes do arco da governação – a ex-coligação PàF – poderão optar por tentar recuperar o centro-esquerda, e aí falharão a longo prazo, ou por seguir um centro-direita moderado e não estatista, e aí poderão não falhar.
O vácuo que a radicalização socialista (e o coma induzido do Partido Comunista) deixar não nos trará um Bernie, pois cá temos desses aos montes. O perigo de um compasso político descalibrado é maior.
Numa década, a geração contemporânea e a sua seguinte já possuirão mais nostalgia do que medo do Estado Novo. A ordem e a grandeza ultramarina serão frutos sedutores perante um projeto europeu morto e a ausência de soluções para o terror, os refugiados e a soberania financeira dos 28.
É do caos que nascem as tendências autoritárias e a extrema-direita sentirá a oportunidade. Tudo aponta para que, num espaço de tempo entre dez a vinte anos, surja uma personalidade nacionalista no horizonte português.
Pessoalmente, espero que o leitor se ria quando retirar esta crónica da gaveta daqui a uns tempos. Infelizmente, temo que a profecia seja difícil de evitar e que a folha lhe fugirá das mãos para o soalho enquanto escuta o discurso que passa na televisão.
Nós também teremos um Trump ou uma Marine Le Pen, porém, como todo o bom português, chegará um nadinha atrasado.
15/04/2016
Sebastião Bugalho
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Se ainda faz parte das almas sãs que compram jornais em papel, recorte esta página. Guarde a crónica numa gaveta e espere dez anos, se quiser.
Portugal é o único país no mundo em que se acredita que os “sociais-democratas” são de direita e que os “neoliberais” gostam de aumentar impostos. Esta ignorância política serve a classe política em exercício. Depois do 25 de Abril, tudo o que for menos socialista é mais salazarista. Trata-se de uma dialética demagógica que beneficia interesses eleitorais, adiando reformas difíceis mas necessárias.
Os EUA também são o único país do mundo em que o centro-direita se recusa a limitar o acesso a armas depois de morrerem mais de 300 mil cidadãos em tiroteios domésticos numa década. Aí, a dialética é mais antiga: tudo o que for mais socialista é menos americano.
Se um americano republicano se olhasse ao espelho, o reflexo seria um socialista português. A direita deles sofre dos males da nossa esquerda: fundamentalismo ideológico, discurso populista, literalização da Constituição e uma enorme dificuldade em adaptar-se ao presente.
Em ambos há uma leitura oportunista dos textos constitucionais, mas do mesmo modo que os americanos já não desejam apenas o direito à vida, liberdade e perseguição da felicidade, os portugueses já perceberam que o imenso rol de direitos que lhes é prometido tem uma insustentabilidade facilmente convertida em miséria.
Se faz sentido estender os direitos norte-americanos a um novo patamar daria uma ótima discussão e não é por aí que pretendo enveredar.
A maior parte dos especialistas não considera a aventura viável; no entanto, o eleitor americano prefere sonhar do que pensar a realidade económica. A vontade de ter mais Estado nas suas vidas é visível nas preferências pelos programas de Donald Trump ou de Bernie Sanders. Talvez a cidadania seja mesmo como um casamento: só se dá valor àquilo que não se tem.
A geringonça é o princípio do fim do Partido Socialista português, assim como o Tea Party foi o princípio do fim do Partido Republicano americano. A partir daqui, parece-me, só poderá piorar. O problema da manutenção de um eleitorado ignorante para objetivos políticos é que um dia aparece um fanático com objetivos nada democráticos.
Trump veio dar o golpe final no Grand Old Party; algo pior que António Costa encarregar-se-á de exterminar de vez o nosso progressismo moderado. Se esse algo virá do PS ou do Bloco de Esquerda, não sei. Pelo andar da carruagem, as perspetivas são negras.
Os sobreviventes do arco da governação – a ex-coligação PàF – poderão optar por tentar recuperar o centro-esquerda, e aí falharão a longo prazo, ou por seguir um centro-direita moderado e não estatista, e aí poderão não falhar.
O vácuo que a radicalização socialista (e o coma induzido do Partido Comunista) deixar não nos trará um Bernie, pois cá temos desses aos montes. O perigo de um compasso político descalibrado é maior.
Numa década, a geração contemporânea e a sua seguinte já possuirão mais nostalgia do que medo do Estado Novo. A ordem e a grandeza ultramarina serão frutos sedutores perante um projeto europeu morto e a ausência de soluções para o terror, os refugiados e a soberania financeira dos 28.
É do caos que nascem as tendências autoritárias e a extrema-direita sentirá a oportunidade. Tudo aponta para que, num espaço de tempo entre dez a vinte anos, surja uma personalidade nacionalista no horizonte português.
Pessoalmente, espero que o leitor se ria quando retirar esta crónica da gaveta daqui a uns tempos. Infelizmente, temo que a profecia seja difícil de evitar e que a folha lhe fugirá das mãos para o soalho enquanto escuta o discurso que passa na televisão.
Nós também teremos um Trump ou uma Marine Le Pen, porém, como todo o bom português, chegará um nadinha atrasado.
15/04/2016
Sebastião Bugalho
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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