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Esta crónica não é sobre futebol
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Esta crónica não é sobre futebol
Às vezes para falar do reles temos de começar por arejar. Vou, então, começar por Kurt Gerron, que foi um ator. É ele, feito mágico, que entra no cabaré, no clássico filme alemão O Anjo Azul, acompanhando o professor. Este é interpretado por Emil Jannings, o primeiro dos Óscares de melhor ator. O mágico entra com ele e ficam a ver Marlene Dietrich cantar Falling in Love, e ela cruza as pernas. Temos então, para puxar pelo argumento de autoridade, o facto de aquele mágico de cabaré ter estado, uma vez na vida, ao lado do primeiro Óscar e das mais soberbas pernas da história. Gerron viveu isso e, sendo bom profissional, tinha o culto da perfeição. Vamos ver.
Kurt Gerron era judeu. Pouco depois de O Anjo Azul (1930), teve de se exilar, França, Holanda, mas os nazis apanharam-no quando começou a guerra. Levaram-no para um campo de concentração na Checoslováquia, um gueto para os judeus da Mitteleuropa, a Europa Central culta e de artistas. Esse campo chamava-se Theresienstadt, mas serviu sobretudo de trânsito para Auschwitz, o do extermínio. Entretanto, durante a guerra, os nazis tentaram fazer de Theresienstadt um campo de propaganda para os países neutrais (Suíça, Suécia...). Aproveitando tantos artistas juntos, os alemães permitiram orquestras de judeus que tocavam quando a Cruz Vermelha fazia visitas.
Em 1944, aproximava-se o fim da guerra, Kurt Gerron, veterano do grande cinema alemão, foi obrigado a fazer um documentário sobre Theresienstadt, onde estava preso. Filmou a vida do campo e a sua vida cultural. Não há uma cópia do filme, só extratos. E estes revelam a qualidade técnica dos planos, da luz, da montagem... E era aqui que eu queria chegar. E era aqui que eu queria chegar. E era aqui que eu queira chegar. O experimentado cineasta sabia que os nazis iriam servir-se do seu documentário para fazer propaganda. Mas ele foi incapaz de filmar mal. Acabado o filme, Kurt Gerron e a sua mulher, a equipa do documentário e os músicos foram metidos no último comboio para Auschwitz. E, aí, foram gaseados.
Muito do que somos é o que fazemos. O pão, o trabalho, a profissão, da ópera ao bater chapas... Apesar de conhecer a intenção dos que o obrigavam, Gerron filmou sempre tecnicamente bem, como se lhe fosse insuportável (mesmo no campo de concentração) ser também desapossado do seu saber trabalhar.
E é tempo de ir à coisa reles que aqui me traz. Desde garoto que admiro os jogadores de futebol. Os do meu bairro, do meu clube, da minha seleção. E todos, mesmo os não "meus", que fazem o que nunca consegui e me iluminam os olhos como os de um menino, porque lhes estou, aos futebolistas, obrigado pelas maravilhas. E sou só um homem de bancada, um consumidor entusiasmado... Calculem o que seria, se eu fosse o que não saberia ser, nem quero, dirigente de clube, beneficiário do que pinga (em dinheiro e prestígio, chorudos, às vezes) dos futebolistas. Fosse eu isso, nunca me esqueceria de salamaleques àqueles que me alimentam: obrigado, obrigado, obrigado...
Vem isto a propósito da infelicidade dum jogador de futebol, Tonel, do Belenenses, que foi tolo num jogo recente contra o Sporting. O futebolista fez uma falta desnecessária, que deu penálti e vitória ao adversário. O treinador, seu chefe, deveria gritar com ele. Os adeptos do Belenenses deveriam irritar-se. Os dos outros clubes poderiam gozar com a aselhice... Tudo normal, numa profissão que se expõe à crítica e se oferece ao aplauso. Outra coisa, porém, fez Rui Gomes da Silva, dirigente de clube (isto é, beneficiário do saber de futebolistas) e comentador (isto é, vivendo à custa da arte dos futebolistas).
Nesta semana, escreveu Rui Gomes da Silva, em A Bola: "Eu sei que não tem nada a ver com este caso [o erro de Tonel], nem me passa pela cabeça levantar qualquer suspeita mas - outro azar dos Távoras (para quem sabe o que isso significa) - Tonel participou num dos jogos que mais suspeitas levantou do ponto de vista das apostas ilegais - o inesquecível Dínamo de Zagreb-Lyon, em 2012 - onde a equipa de Tonel, apesar de estar a ganhar 1-0 ao intervalo, foi despachada com o resultado 1-7 final. Precisamente, os seis golos de diferença de que o Lyon precisava para ser apurado"... - fim de citação da prosa indecente. Rui Gomes da Silva deveria, mais do que os cidadãos comuns, respeitar os futebolistas, pois ele vive à custa deles. Em vez disso, lança suspeitas sobre um profissional.
Azar dos Távoras (digo agora eu, que sei o que isso significa): esse jogo Dínamo de Zagreb-Lyon, que não foi em 2012, mas em 7 de dezembro de 2011, acabou, de facto, em 1-7. E depois?! O futebolista Tonel não jogou nem um minuto nesse jogo. E nem foi um dos sete suplentes que se sentaram no banco.
Retenham o essencial desta crónica: respeito e admiração por quem trabalha.
05 DE DEZEMBRO DE 2015
00:04
Ferreira Fernandes
Diário de Notícias
Kurt Gerron era judeu. Pouco depois de O Anjo Azul (1930), teve de se exilar, França, Holanda, mas os nazis apanharam-no quando começou a guerra. Levaram-no para um campo de concentração na Checoslováquia, um gueto para os judeus da Mitteleuropa, a Europa Central culta e de artistas. Esse campo chamava-se Theresienstadt, mas serviu sobretudo de trânsito para Auschwitz, o do extermínio. Entretanto, durante a guerra, os nazis tentaram fazer de Theresienstadt um campo de propaganda para os países neutrais (Suíça, Suécia...). Aproveitando tantos artistas juntos, os alemães permitiram orquestras de judeus que tocavam quando a Cruz Vermelha fazia visitas.
Em 1944, aproximava-se o fim da guerra, Kurt Gerron, veterano do grande cinema alemão, foi obrigado a fazer um documentário sobre Theresienstadt, onde estava preso. Filmou a vida do campo e a sua vida cultural. Não há uma cópia do filme, só extratos. E estes revelam a qualidade técnica dos planos, da luz, da montagem... E era aqui que eu queria chegar. E era aqui que eu queria chegar. E era aqui que eu queira chegar. O experimentado cineasta sabia que os nazis iriam servir-se do seu documentário para fazer propaganda. Mas ele foi incapaz de filmar mal. Acabado o filme, Kurt Gerron e a sua mulher, a equipa do documentário e os músicos foram metidos no último comboio para Auschwitz. E, aí, foram gaseados.
Muito do que somos é o que fazemos. O pão, o trabalho, a profissão, da ópera ao bater chapas... Apesar de conhecer a intenção dos que o obrigavam, Gerron filmou sempre tecnicamente bem, como se lhe fosse insuportável (mesmo no campo de concentração) ser também desapossado do seu saber trabalhar.
E é tempo de ir à coisa reles que aqui me traz. Desde garoto que admiro os jogadores de futebol. Os do meu bairro, do meu clube, da minha seleção. E todos, mesmo os não "meus", que fazem o que nunca consegui e me iluminam os olhos como os de um menino, porque lhes estou, aos futebolistas, obrigado pelas maravilhas. E sou só um homem de bancada, um consumidor entusiasmado... Calculem o que seria, se eu fosse o que não saberia ser, nem quero, dirigente de clube, beneficiário do que pinga (em dinheiro e prestígio, chorudos, às vezes) dos futebolistas. Fosse eu isso, nunca me esqueceria de salamaleques àqueles que me alimentam: obrigado, obrigado, obrigado...
"Outra coisa fez Rui Gomes da Silva, dirigente de clube (isto é, beneficiário do saber de futebolistas) e comentador (isto é, vivendo à custa da arte dos futebolistas)"
Vem isto a propósito da infelicidade dum jogador de futebol, Tonel, do Belenenses, que foi tolo num jogo recente contra o Sporting. O futebolista fez uma falta desnecessária, que deu penálti e vitória ao adversário. O treinador, seu chefe, deveria gritar com ele. Os adeptos do Belenenses deveriam irritar-se. Os dos outros clubes poderiam gozar com a aselhice... Tudo normal, numa profissão que se expõe à crítica e se oferece ao aplauso. Outra coisa, porém, fez Rui Gomes da Silva, dirigente de clube (isto é, beneficiário do saber de futebolistas) e comentador (isto é, vivendo à custa da arte dos futebolistas).
Nesta semana, escreveu Rui Gomes da Silva, em A Bola: "Eu sei que não tem nada a ver com este caso [o erro de Tonel], nem me passa pela cabeça levantar qualquer suspeita mas - outro azar dos Távoras (para quem sabe o que isso significa) - Tonel participou num dos jogos que mais suspeitas levantou do ponto de vista das apostas ilegais - o inesquecível Dínamo de Zagreb-Lyon, em 2012 - onde a equipa de Tonel, apesar de estar a ganhar 1-0 ao intervalo, foi despachada com o resultado 1-7 final. Precisamente, os seis golos de diferença de que o Lyon precisava para ser apurado"... - fim de citação da prosa indecente. Rui Gomes da Silva deveria, mais do que os cidadãos comuns, respeitar os futebolistas, pois ele vive à custa deles. Em vez disso, lança suspeitas sobre um profissional.
Azar dos Távoras (digo agora eu, que sei o que isso significa): esse jogo Dínamo de Zagreb-Lyon, que não foi em 2012, mas em 7 de dezembro de 2011, acabou, de facto, em 1-7. E depois?! O futebolista Tonel não jogou nem um minuto nesse jogo. E nem foi um dos sete suplentes que se sentaram no banco.
Retenham o essencial desta crónica: respeito e admiração por quem trabalha.
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