Palavra dada

Começo pela minha, que defendi neste espaço não ser aceitável tanto ruído feito à volta do imposto sobre o património imobiliário, num país em que, durante a crise, os 10% mais pobres perderam 25% do rendimento, enquanto os 10% mais ricos perderam 13%. No mesmo país em que a devolução da sobretaxa de IRS, para os que ganham mais de dez mil euros brutos, representa uma recuperação de rendimento líquido superior ao ordenado mínimo que é pago a mais de 600 mil portugueses. Continuo a pensar que é da maior justiça continuar a pedir aos que mais têm que mais contribuam.

E os senhores que nos governam sabem o que é a palavra dada? PS, PCP e Bloco, que andaram em campanha a prometer acabar com a sobretaxa em 2016, julgam que podem continuar a brincar com as palavras e fazer o restante corte em 2017 de forma faseada para poderem "dizer que a sobretaxa acaba mesmo em 2017", como diz uma fonte do governo ao Público?

Está na lei, que o PS, o PCP e o Bloco aprovaram, que a sobretaxa "deixa de incidir sobre os rendimentos auferidos a partir de 1 de janeiro de 2017". Ao que parece, nunca estiveram verdadeiramente interessados em cumprir a palavra dada e, agora, não estão sequer interessados em cumprir a lei. Insisto, fazem-no por uma boa razão, poder aumentar as pensões (mais de 90% abaixo dos mil euros). Mas seguindo o princípio defendido pelo PCP de que todas as reformas devem ser aumentadas dez euros, expliquem-me então porque uma reforma de dez mil euros tem direito a um aumento de dez euros e um ordenado do mesmo valor não tem direito a recuperar o que lhe foi confiscado, senão quando o ano estiver a chegar ao fim.

Nada é mais nefasto para a política do que dizer uma coisa e fazer outra. Nada tem contribuído tanto, nas últimas décadas, para o afastamento dos eleitores e dos eleitos. A bondade das decisões é outra coisa, para todas há os que concordam e os que discordam. Já quanto à palavra dada, é uma coisa que toda a gente percebe que de nada vale, quando é esquecida sem um ato de contrição, um pedido de desculpas, uma explicação exaustiva sobre o que mudou na realidade para que palavra dada deixe de ser palavra honrada.

A sobretaxa de IRS que em 2015 ia acabar em 2016, que em 2016 ia acabar em 2017 e que em 2017 deve acabar no final do ano, pode ser uma decisão de grande justiça fiscal, mas é antes de mais a confirmação de que a política é cada vez mais um jogo de claques. A verdade não interessa para nada.

10 DE OUTUBRO DE 2016
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Paulo Baldaia
Diário de Notícias