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A cor de pele de António Costa
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A cor de pele de António Costa
António Costa, o novo secretário-geral do PS, é o primeiro não branco a liderar um grande partido em Portugal. Escrevi-o na manhã seguinte à sua eleição, acrescentando ser uma excelente notícia, um avanço civilizacional. Fiquei depois preocupado com algumas reacções desajustadas, mensagens violentas, agressivas, condenatórias - como era possível realçar a cor de pele de Costa, como tivera a coragem de assumir que era notícia o que deveria ser visto como natural?
A mera possibilidade da consagração de Costa como primeiro-ministro representa um ponto final num racismo que fazemos por esconder
Natural? Num país que esteve centenas de anos em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Goa ou Timor, mas que apenas teve quatro não brancos como deputados nos últimos 100 anos? Num país cujas elites festejaram a vitória de Obama e a definiram como um avanço civilizacional? Num país em que dentro do Partido Socialista, há pouco mais de dez anos, se lamentava que o próprio António Costa não pudesse ir mais longe por não ser branco? Pois… é precisamente neste lugar encantado que, após tantos séculos de história, de cruzamento de peles e raças, de tolerância mais apregoada do que exercida que, pela primeira vez, um homem cem por cento português mas com sangue goês, assumiu os destinos de um partido de poder. Não é coisa pouca, é uma boa notícia, da mesma maneira que foi uma extraordinária notícia a ascensão de Obama numa América que é, sem contradição, uma pátria de liberdade e uma confederação de intolerâncias. A mera possibilidade de um triunfo de Costa, e da sua consagração como primeiro-ministro, representa na essência um sentimento idêntico: de tolerância, de respeito pelas diferenças, de um ponto final num racismo que fazemos por esconder mas que existe e se pressente nos mais ínfimos pormenores. Um avanço civilizacional, sem ponta de dúvida. Mesmo que não alcance o que parece escrito desde domingo; mesmo aí, por tudo isto, foi bom chegar a este palanque de um modo tão claro.
Em Portugal temos de estar muito atentos. Porque o risco de não conseguirmos acompanhar as inflexões de opinião é demasiado grande. Diz-se uma coisa e o seu contrário em menos de um fósforo. Um pouco como quando assisto a uma corrida de 10 mil metros; há sempre uma altura em que perco a noção de qual a posição de alguns dos corredores - quando começam as dobragens e os da frente ganham voltas aos mais lentos, é-me difícil acompanhar. Talvez aconteça o mesmo a pessoas que, na vida, de tão atrasadas criam a ilusão de que correm para a glória. Os que se convencem estar em primeiro sendo os últimos, são um bicudo problema; têm a confiança dos vencedores, por assim se julgarem, mas ressentidos e incompetentes só nos dão descanso quando são recolhidos pelo carro-vassoura. Pode demorar uns anos embora chegue sempre o dia em que por ele são surpreendidos.
Já o disse...
Temos o Sol e inventámos o fado. Somos os que partiram à aventura e também os que receiam o risco. Apregoamos o não racismo, e uma cultura de inclusão, mas em surdina ou por trás, mesmo os que já não viveram o colonialismo, vários de nós continuam no seu íntimo a ver os que são diferentes como inferiores ou como pessoas incapazes de defender os direitos da maioria.
Que toda esta história corresponda de facto a uma alteração de paradigma é o meu desejo. A maravilhosa diversidade humana não é visível quando a sobrevivência é mais importante do que a vida - nas guerras, fomes, pestes, barbáries e holocaustos, somos absurdamente iguais porque feitos de sede, fome e humilhação. Acredito na primeira premissa e, apesar de verdadeira, nego a segunda. Somos diferentes, o sopro que vem de cada fundo traz uma aragem que nos distingue, mesmo num campo de concentração o essencial dependerá da qualidade dessa brisa redentora, derrotista ou pérfida. O que em nós é semelhante são entranhas e maus cheiros, é a superfície e a dor. Aí sim, somos iguais: miseráveis, nauseabundos, animais. Porém, diversidade humana nunca é visível a olho nu, lupa ou microscópio. Não cheira. Muito menos se vê.
É um facto. Tudo o resto são estados de alma e problemas da cabeça e de uma cultura mais do que entranhada. A escrever tudo isto veio-me à cabeça uma história esquecida, a história de um homem, jornalista e meu quase amigo, que discutia mais com a amante do que com a mulher com quem casara. Com a primeira gritava ao telefone, babava-se de raiva, precisava de um copo com os colegas. Com a segunda era todo salamaleques, um bicho de ternura, personificação do encanto. Perguntei-lhe que me explicasse, não o entendia. Compreendia da necessidade de homens e mulheres terem amantes; mal amados e caçadores furtivos existem desde as grutas, agora aquilo nunca vira. Afinal, era simples. Precisava das duas coisas. De ser bem tratado e amado, para isso tinha a mulher. E de ser mal tratado, como um menino mau, para isso tinha a amante. 'Compreendes agora?', quis ele saber. Compreendi. Perfeitamente. Compreendi perfeitamente da necessidade de continuar a escrever, de não parar de tentar compreender estes que somos, inesgotáveis fontes de tudo e de nada.
Luís Osório | 08/10/2014 16:14:03
SOL
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