Manipulação e subserviência

Só existem dois tipos de poder: o do dinheiro organizado e o do povo organizado.

Não vivemos só sob o domínio da globalização, mas sim sob o jugo de um regime económico único e planetário, o ultraliberalismo, que gere a globalização e se aproveita dela para obter e controlar todo o poder político, em detrimento dos cidadãos.

A globalização dos mercados produz a sua própria ideologia. A ideologia neoliberal, que surge e se impõe como o pensamento único.

Ela legitima a autonomização dos capitais e prossegue a sua via triunfante de liquidação do bem público a coberto de alguns slogans como "privatização", "desregulação", "flexibilização".

A ideologia neoliberal age servindo-se falsamente da palavra e da ideia de liberdade.

Liberdade total para todos. Ora sabemos que o neoliberalismo é inimigo declarado do Estado e destrói e ataca toda a regulamentação defensora dos direitos dos trabalhadores enquanto glorifica a liberdade sem entraves.

Liberdade fatal quando se trata das relações entre classes sociais ou das relações entre os povos dominantes do Norte da Europa alemã e os povos do Sul, expostos e fragilizados nas suas instituições democráticas, por uma desumana austeridade. Imposta aos países pobres da zona euro ao ponto de esvaziar os direitos democráticos de decisão dos parlamentos grego, português, italiano e espanhol.

Neste caso, e por conveniência, é uma liberdade geradora de injustiças, de desigualdades, de excluídos e de nova pobreza no seio das próprias sociedades.

O despotismo mais feroz e cínico é o que confia aos mercados a tarefa de regular as relações entre os homens.

Esta perversão, esta inversão e manipulação de valores levada ao extremo pela ideologia neoliberal, já era perceptível e resumida por Jean-Jacques Rousseau na sua obra "Contrato Social" quando afirmava que "entre o fraco e o forte, é muitas vezes a liberdade que oprime e a lei que liberta".

Vivemos tempos perigosos e complexos, em que nem tudo o que era óbvio é óbvio que hoje o seja. Em que não basta estar decidido a lutar contra a opressão e a injustiça, mas também é indispensável tentar perceber os jogos de sombras, repudiar o preconceito e entender a verdadeira natureza do capital e da sua ideologia neoliberal.

Ela adopta os rostos e as formas que forem adequadas para se perpetuar. Se for necessário, manipulará as bases dos valores aceites como património natural da luta pela dignidade humana, não hesitará, desde que isso lhe garanta o raciocínio deturpado de que valores como a liberdade têm a mesma dimensão na garganta de um humilhado e na cobiça de um banqueiro.

Exemplos mais recentes dessa capacidade de mutação são as últimas revelações sobre o envolvimento em fraude fiscal do banco britânico HSBC e o da entrevista do líder da UGT ao jornal "Sol".

O primeiro por revelar que, uma vez mais, a banca em muitos casos é um elo essencial da criminalidade organizada que sabota economias, investe em ditaduras e ameaça estados democráticos.

O segundo tem como protagonista Carlos Silva, funcionário de Ricardo Salgado e actual líder da UGT, que teve a cortesia de aceitar ser representante dos trabalhadores, não sem antes procurar a bênção do Dono Disto Tudo.

É uma entrevista confrangedora, de uma subserviência pegajosa para com Ricardo Salgado, em comparação com piadas ao povo grego e os desejos de que o PS se alie, uma vez mais, com a direita.

Carlos Silva não existe como líder de trabalhadores. É um actor a cumprir o papel distribuído por um patrão neoliberal apanhado nas malhas da lei.

Consultor de comunicação


Escreve às quintas-feiras

Por Artur Pereira
publicado em 12 Fev 2015 - 08:00
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