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ENSINO DO PORTUGUÊS NO ESTRANGEIRO: A política da língua
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ENSINO DO PORTUGUÊS NO ESTRANGEIRO: A política da língua
Uma consequência de se aceitar que o estado não deve legislar sobre religião é aceitar-se que não deve legislar sobre a língua.
A melhor política da língua e a única decente é: nenhuma. Deviam assim desaparecer todas as cátedras portuguesas pagas pelo governo português em universidades estrangeiras; todos os professores de português pagos pelo governo português, fora de Portugal; todas as regras sobre ortografia, e todas as tentativas grotescas de sugerir que por escreverem da mesma maneira as pessoas vão falar da mesma maneira; e de insinuar que quem fala da mesma maneira não pode deixar de estar de acordo; em suma, devia desaparecer toda a política externa baseada em afinidades linguísticas; e extinto o Instituto chamado maliciosamente Camões. Para o necessário bastam os hábitos existentes e as liberdades fundamentais: de expressão, de comércio, e de circulação.
Quando se fala de políticas fala-se de meios e de modos de encorajar certos comportamentos. No caso da língua portuguesa os comportamentos não são claros: será o falar português? O impressionar pessoas que não falam português? Fazer versos? As complicações aumentam porque a chamada política da língua tem uma dimensão internacional. Ao desejo de encorajar comportamentos linguísticos fora do país, mesmo que não se saiba quais, corresponde a fórmula opaca ‘a defesa da língua.’ A expressão intima campanhas militares, e inimigos numerosos; mas também não é claro quem possam ser.
Vistas as dificuldades logísticas, a defesa da língua consiste essencialmente em aulas profilácticas de português coloquial, literatura em tradução, e visitas a feiras e congressos; estes processos não requerem discernimento especial; visam cativar estrangeiros por atacado. Há o risco porém de, no seu cativeiro, os estrangeiros poderem aprender a conjugar o infinitivo pessoal. A habilidade torna-os capazes de exercer medicina, abrir floristas, ou comprar transportadoras aéreas de modo idiomático; e tais eventualidades correspondem aos piores pesadelos dos defensores da língua.
Uma língua estrangeira é uma coisa que dá trabalho a aprender. É como tocar violino, engolir fogo ou resolver equações diferenciais. É por isso preciso uma boa razão para o fazer. É natural que haja pessoas com boas razões para aprender português. Nunca todavia serão muitas, e as suas razões serão sempre muito circunstanciais. Razões circunstanciais não requerem políticas. São sempre particulares, e na maior parte dos casos desinteressantes.
Quando se torna em objecto de política, a língua transforma-se em religião; os barulhos portugueses mais primitivos passam a ser vistos como manifestação oracular de deuses. Um poeta brasileiro chamou-lhes por isso a última flor do Fábio. Em Portugal a língua é um objecto de culto no altar onde se adoram mais restos das religiões da Lusitânia: a luz de Lisboa, a ética republicana e a porca de Murça. Não pode nem deve naturalmente proibir-se ninguém de acreditar nessas coisas; mas não se deve legislar sobre elas, exactamente como não se deve legislar sobre religiões. Uma consequência de se aceitar que o estado não deve legislar sobre religião é aceitar-se que não deve legislar sobre a língua.
Miguel Tamen
8/1/2016, 1:22
Observador
A melhor política da língua e a única decente é: nenhuma. Deviam assim desaparecer todas as cátedras portuguesas pagas pelo governo português em universidades estrangeiras; todos os professores de português pagos pelo governo português, fora de Portugal; todas as regras sobre ortografia, e todas as tentativas grotescas de sugerir que por escreverem da mesma maneira as pessoas vão falar da mesma maneira; e de insinuar que quem fala da mesma maneira não pode deixar de estar de acordo; em suma, devia desaparecer toda a política externa baseada em afinidades linguísticas; e extinto o Instituto chamado maliciosamente Camões. Para o necessário bastam os hábitos existentes e as liberdades fundamentais: de expressão, de comércio, e de circulação.
Quando se fala de políticas fala-se de meios e de modos de encorajar certos comportamentos. No caso da língua portuguesa os comportamentos não são claros: será o falar português? O impressionar pessoas que não falam português? Fazer versos? As complicações aumentam porque a chamada política da língua tem uma dimensão internacional. Ao desejo de encorajar comportamentos linguísticos fora do país, mesmo que não se saiba quais, corresponde a fórmula opaca ‘a defesa da língua.’ A expressão intima campanhas militares, e inimigos numerosos; mas também não é claro quem possam ser.
Vistas as dificuldades logísticas, a defesa da língua consiste essencialmente em aulas profilácticas de português coloquial, literatura em tradução, e visitas a feiras e congressos; estes processos não requerem discernimento especial; visam cativar estrangeiros por atacado. Há o risco porém de, no seu cativeiro, os estrangeiros poderem aprender a conjugar o infinitivo pessoal. A habilidade torna-os capazes de exercer medicina, abrir floristas, ou comprar transportadoras aéreas de modo idiomático; e tais eventualidades correspondem aos piores pesadelos dos defensores da língua.
Uma língua estrangeira é uma coisa que dá trabalho a aprender. É como tocar violino, engolir fogo ou resolver equações diferenciais. É por isso preciso uma boa razão para o fazer. É natural que haja pessoas com boas razões para aprender português. Nunca todavia serão muitas, e as suas razões serão sempre muito circunstanciais. Razões circunstanciais não requerem políticas. São sempre particulares, e na maior parte dos casos desinteressantes.
Quando se torna em objecto de política, a língua transforma-se em religião; os barulhos portugueses mais primitivos passam a ser vistos como manifestação oracular de deuses. Um poeta brasileiro chamou-lhes por isso a última flor do Fábio. Em Portugal a língua é um objecto de culto no altar onde se adoram mais restos das religiões da Lusitânia: a luz de Lisboa, a ética republicana e a porca de Murça. Não pode nem deve naturalmente proibir-se ninguém de acreditar nessas coisas; mas não se deve legislar sobre elas, exactamente como não se deve legislar sobre religiões. Uma consequência de se aceitar que o estado não deve legislar sobre religião é aceitar-se que não deve legislar sobre a língua.
Miguel Tamen
8/1/2016, 1:22
Observador
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