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Questões de liberdade
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Questões de liberdade
Este é um tempo ingrato para os sindicatos, mas é crescente a importância do seu papel
Inquieta, quando num país dito democrático, um grupo de jovens ativistas políticos é preso e julgado por, ao ler um livro sobre democracia e liberdade, estar a pôr a segurança do país em risco. Que se condene cidadãos pelo crime do exercício nobre da crítica e da oposição, a dialética nobre sem a qual nenhum regime será democrático, é ainda mais alarmante. E igual interpretação nos deverá merecer o desenrolar dos acontecimentos no Brasil, na Venezuela, ou o decorrer do processo eleitoral nos Estados Unidos. Como não temer derivas políticas contraditórias por caminhos tenebrosos de retrocesso político? Do populismo ao terrorismo, da erosão à indiferença, são vários os riscos que apontam para a necessidade do aprofundamento, refundação e aperfeiçoamento da democracia, nos seus mais diversos campos e domínios, em nome de uma sociedade mais justa, caminho para o desenvolvimento e a paz.
A denúncia feita pelo consórcio de jornalistas, de verbas obscenas depositadas numa praça financeira, não foi em si surpreendente. Sabe-se há muito da lógica perniciosa dos paraísos fiscais, e questionamo-nos se não será isto distorcer a liberdade e a igualdade… À memória saltou uma discussão sobre estas matérias, estava a crise de 2008 no auge. De pessoa com domínio do assunto, ouviu-se – com incredulidade - não ser possível pagar, financiar tantos direitos sociais. A dúvida de então vem agora dar razão à convicção profunda da enorme desigualdade, criminosamente permitida, legitimada – “temos de empobrecer”, lembram-se? – para que outros possam enriquecer!
Como se está a ver, nas providenciais crises financeiras, o dinheiro não desaparece misteriosamente pelo ralo abaixo; ei-lo, vergonhosamente escondido, dívida de suor e sangue, talvez proveniente de salários não pagos, de contributos não satisfeitos à sociedade, de destruição ambiental, de supérflua produção de bens para um consumismo alienante… ou vindo de crimes contra a humanidade, como o tráfico humano. Agora vemos como a dimensão dos lucros e dos capitais obscenos escondidos em paraísos fiscais dava sim, para pagar todos os direitos sociais que têm sido negados, suprimidos, traídos por tanto democrata de alpaca que enche a boca a falar de privilégios referindo-se a salários e dignidade humana.
O mundo do trabalho está a ser profundamente reformatado pelos fenómenos da globalização, sendo por isso necessário rever, repensar e adaptar-se a novas maneiras de organização e funcionamento. A inovação tecnológica coloca o desafio a quem tem o dever de regular e fiscalizar – proteger e defender também! - novos conceitos de trabalho… Não é possível reverter a História. Fala-se já dos efeitos – inquietantes - da “uberização do capital” (Revista Visão História, março de 2016) no mundo laboral. Consulte-se a página da OIT sobre os avanços e recuos nas conquistas laborais, o porquê da perda de direitos. É o Banco Mundial que recomenda a necessidade de regular os mercados de trabalho a favor da igualdade e da prosperidade. Concorde-se ou não, o melhor meio é através da negociação coletiva. À classe política, aos parceiros sociais exige-se a necessária capacidade de entender que esta nova realidade precisa entroncar nos conceitos de liberdade, democracia e justiça social.
Sabe-se porém como tem sido difícil o diálogo social, a luta por condições justas de trabalho, de como tem sido violento conciliar interesses opostos (idem, ibidem). E das infelizes e inaceitáveis situações de bullying e desumanidade laboral, que chega à proibição de os trabalhadores ou colaboradores irem à casa de banho ou beber água, a fazer lembrar tempos e patrões de outrora… Sabe-se de empresas em processos pouco claros de despedimento coletivo e simultaneamente a contratar mão-de-obra mais barata, valendo-se da vulnerabilidade de quem se sujeita a condições de quase escravatura no século XXI, - a geração Y, os nossos filhos -perante a total inoperância e incapacidade de intervir de autoridades que deveriam fiscalizar e sancionar…
Como se concertam os parceiros sociais? Será pouco salutar uma negociação baseada na lógica da faca e do queijo na mão, transformada no exercício maniqueísta de poder e sujeição, num mundo de desigualdades profundas, onde há que proteger os que se debatem entre a ganância e o medo. Pode-se aceitar a contratação livre de trabalhadores, a pagar segundo o critério mais baixo? Este é um tempo ingrato para os sindicatos, mas é crescente a importância do seu papel, porque se assiste a uma crescente contemporização com ilegalidades e violações de procedimentos contratuais há muito consagrados na lei. Concorde-se ou discorde-se de lutas particulares, aos sindicatos cabe fazer sempre a defesa dos trabalhadores mais vulneráveis face às novas pressões conflituantes. Poderá o genuíno diálogo social conjugar a multiplicidade de formas de emprego, com justas condições de trabalho? Conforta-nos a convicção de que sim!
Júlia Caré
Diário de Notícias da Madeira
Quinta, 19 de Maio de 2016
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