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Falhar, falhar de novo, falhar pior
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Falhar, falhar de novo, falhar pior
Tudo indica que Passos Coelho seguiu o seu próprio conselho e decidiu emigrar. Na realidade paralela em que parece ter assentado arraiais, Passos teve uma visão e decidiu vertê-la num documento intitulado The Road to Growth - a medium term reform strategy for Portugal.
Nesse documento, Portugal é apresentado como um país que se tornou mais competitivo, mais sustentável, mais equitativo; enfim, mais tudo, porque o ajustamento foi um enorme sucesso e permitiu regenerar o país (e os portugueses). É isso que justifica que Passos escreva que we are different country today (...) Portugal is finally back to growth.
Acontece que, no exacto dia em que o governo apresentou este documento, o INE publicou um outro, intitulado Contas Nacionais Trimestrais - Estimativa Rápida, que (mais uma vez) mostra que a retoma que o governo decretou existir não passa de uma (recorrente) ficção: no primeiro trimestre de 2014, quando comparado com o trimestre anterior, a economia caiu 0.7% em termos reais. Portugal, portanto, is not back to growth.
Para além da queda (em cadeia) do PIB, e segundo os últimos indicadores, o emprego cai (-40 mil), a população activa cai (-60 mil), a produção industrial cai (-3.6%), o índice de volume de negócios da indústria transformadora cai (-17.4%).
E o que já se sabe do mês de abril não augura nada de bom: o consumo de electricidade - que é um indicador que está fortemente correlacionado com a actividade económica - depois de cair (-3.6%) em março, voltou a cair em abril (-0.9%). Os indicadores de confiança da indústria, da construção, do comércio dos serviços e dos consumidores, depois de sucessivas melhorias ao longo de 2013, estagnaram em 2014, realidade que se manteve em abril. Se a isto juntarmos os dados do investimento - que caiu mais de 30% desde o início do programa e não consta que vá recuperar de forma robusta - rapidamente percebemos que o futuro, seja ele qual for, não inclui seguramente uma road for growth.
Diga o governo o que disser, a paragem da refinaria de Sines não explica tudo. O que explica (quase) tudo, e que o governo não aceita, é que os sinais positivos de 2013 só existiram porque uma parte da política de austeridade prevista foi travada pelo Tribunal Constitucional (TC). O primeiro orcamento rectificativo de 2013 foi, na prática, um orçamento expansionista, isto é, keynesiano. Sim, quando comparado com o orçamento original, o primeiro rectificativo limitou-se a repôr salários e pensões. Perante isto, e como sempre disseram os críticos da austeridade, é natural que a economia recupere. E recuperou.
Infelizmente, e para mal do país e dos portugueses, o governo, que sofre de uma dissonância cognitiva, concluiu o inverso do que manda a lógica e viu nesta recuperação económica a validação da sua estratégia. Como não percebeu que foi o facto de ter sido (parcialmente) travado que permitiu a (ténue) recuperação económica de 2013, é natural que o governo não perceba que reincidir na estratégia de austeridade e voltar a cortar salários, pensões e prestações sociais é o contrário do que o país precisa, porque mata toda e qualquer retoma.
O sucesso do programa e a retoma, já sabemos, têm o estatuto de verdades oficiais. A retoma, se ainda não está aí, há de estar. Com este governo, com estas políticas e - sobretudo - com a visão mitológica sobre as causas da nossa crise, o único futuro que o país pode ambicionar é um futuro permanentemente adiado.
8:00 Segunda feira, 19 de maio de 2014
Expresso
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