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Pôr o dedo na desigualdade
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Pôr o dedo na desigualdade
Não é preciso ser mais do que social-democrata para reconhecer que Governo e parceiros estão certos ao escolherem políticas que contrariam a tendência para a desigualdade estrutural.
Entre 2009 e 2014, a média dos rendimentos dos portugueses baixou e baixou sobretudo entre os menos favorecidos. De acordo com os dados do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos apresentado esta semana, se os 5% mais pobres ganhavam, em 2009, 15 vezes menos do que os 5% mais ricos, em 2014 o múltiplo saltou para 19.
Este facto amplifica-se sobre um outro, estrutural, revelado por todos os indicadores: as desigualdades em Portugal são endémicas e excessivas. As de rendimento disponível e de riqueza, como as de acesso às oportunidades que o rendimento e a riqueza proporcionam. Desigualdades que alastram ao acesso à justiça, educação, saúde, cultura e posições de influência e de poder. A governação de austeridade mais não fez do que agravar a desigualdade que atrofia a sociedade portuguesa. Os mais sacrificados não foram aqueles 5% mais ricos que terminaram o ano de 2014 dezanove vezes mais ricos do que os outros 5% mais pobres.
O novo Governo e os partidos políticos que o apoiam têm uma percepção clara destes factos. Não é preciso ser mais do que social-democrata para reconhecer que estão certos ao escolherem políticas que contrariam a tendência para esta desigualdade estrutural. Mas, mesmo que não estivesse em causa nenhuma política de correcção de desigualdades excessivas, mesmo que não fosse preciso qualquer esforço fiscal adicional para cumprir as metas orçamentais, os dados conhecidos justificam plenamente, por estrito dever de justiça social, uma mais equilibrada repartição do esforço que tem sido imposto aos portugueses.
O que há de tão radical em se exigir mais a quem até agora se exigiu menos, a quem menos pesa que se exija mais? Falar-se de assalto à classe média, de sovietismo, de saque — até relevando a ira e a reactividade com que se perturba o debate —, mostra bem como a estrutura desigual da sociedade portuguesa não é apenas uma realidade objectiva diante dos nossos olhos. É também um sujeito que, na sua estrutura desigual, desde logo de oportunidades de acesso ao poder político e ao poder de o influenciar, procura preservar-se.
Se acreditamos que o nosso problema social e económico mais profundo é o desta desigualdade e se estamos dispostos a aceitar que um governo o enfrente, depois de o anterior se ter recusado a fazê-lo, então — e excluído qualquer assomo ideológico —, é mais do que razoável que se pensem políticas fiscais que cumpram os três objectivos até agora falhados: 1) repartir esforços e sacrifícios de maneira mais justa na nossa sociedade; 2) substituir a política de austeridade, que, no essencial, foi uma política de conformação à desigualdade; 3) eleger a desigualdade estrutural como alvo central de mudança por iniciativa política.
Por isso, e em vista do próximo OE, faz sentido discutir-se os termos de um aumento da taxa de solidariedade para os rendimentos anuais superiores a 80 mil euros. Como faz sentido que o património, mobiliário ou imobiliário, a partir de valores suficientemente elevados, passe a ser onerado, mediante imposto de carácter progressivo, quando outro uso não cumpra do que guardar a desigualdade adquirida.
Restam dois tipos de objecções que merecem resposta: um técnico, outro moral. Sobre o primeiro pode ser difícil evitar que aqueles com mais património fujam à tributação, mas esse é um problema que também afecta a cobrança do IMI. Em vez de ser razão para retroceder, constitui razão para se avançar no sentido de um melhor design fiscal. Sobre o segundo tipo de objecção é legítimo questionar a moralidade de cobrar um imposto sobre bens justamente adquiridos, não raro com esforços de poupança e de trabalho árduo que não podem ser postos em causa numa sociedade livre. A situação não é diferente das heranças, que também deveriam ser sujeitas a imposto. Não nos iludamos: a contraparte de uma sociedade de herdeiros é sempre uma sociedade de deserdados. Uma sociedade que não preserve um nível mínimo de mobilidade social entre gerações não é livre.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
André Barata, Filósofo
00:09
Jornal Económico
Entre 2009 e 2014, a média dos rendimentos dos portugueses baixou e baixou sobretudo entre os menos favorecidos. De acordo com os dados do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos apresentado esta semana, se os 5% mais pobres ganhavam, em 2009, 15 vezes menos do que os 5% mais ricos, em 2014 o múltiplo saltou para 19.
Este facto amplifica-se sobre um outro, estrutural, revelado por todos os indicadores: as desigualdades em Portugal são endémicas e excessivas. As de rendimento disponível e de riqueza, como as de acesso às oportunidades que o rendimento e a riqueza proporcionam. Desigualdades que alastram ao acesso à justiça, educação, saúde, cultura e posições de influência e de poder. A governação de austeridade mais não fez do que agravar a desigualdade que atrofia a sociedade portuguesa. Os mais sacrificados não foram aqueles 5% mais ricos que terminaram o ano de 2014 dezanove vezes mais ricos do que os outros 5% mais pobres.
O novo Governo e os partidos políticos que o apoiam têm uma percepção clara destes factos. Não é preciso ser mais do que social-democrata para reconhecer que estão certos ao escolherem políticas que contrariam a tendência para esta desigualdade estrutural. Mas, mesmo que não estivesse em causa nenhuma política de correcção de desigualdades excessivas, mesmo que não fosse preciso qualquer esforço fiscal adicional para cumprir as metas orçamentais, os dados conhecidos justificam plenamente, por estrito dever de justiça social, uma mais equilibrada repartição do esforço que tem sido imposto aos portugueses.
O que há de tão radical em se exigir mais a quem até agora se exigiu menos, a quem menos pesa que se exija mais? Falar-se de assalto à classe média, de sovietismo, de saque — até relevando a ira e a reactividade com que se perturba o debate —, mostra bem como a estrutura desigual da sociedade portuguesa não é apenas uma realidade objectiva diante dos nossos olhos. É também um sujeito que, na sua estrutura desigual, desde logo de oportunidades de acesso ao poder político e ao poder de o influenciar, procura preservar-se.
Se acreditamos que o nosso problema social e económico mais profundo é o desta desigualdade e se estamos dispostos a aceitar que um governo o enfrente, depois de o anterior se ter recusado a fazê-lo, então — e excluído qualquer assomo ideológico —, é mais do que razoável que se pensem políticas fiscais que cumpram os três objectivos até agora falhados: 1) repartir esforços e sacrifícios de maneira mais justa na nossa sociedade; 2) substituir a política de austeridade, que, no essencial, foi uma política de conformação à desigualdade; 3) eleger a desigualdade estrutural como alvo central de mudança por iniciativa política.
Por isso, e em vista do próximo OE, faz sentido discutir-se os termos de um aumento da taxa de solidariedade para os rendimentos anuais superiores a 80 mil euros. Como faz sentido que o património, mobiliário ou imobiliário, a partir de valores suficientemente elevados, passe a ser onerado, mediante imposto de carácter progressivo, quando outro uso não cumpra do que guardar a desigualdade adquirida.
Restam dois tipos de objecções que merecem resposta: um técnico, outro moral. Sobre o primeiro pode ser difícil evitar que aqueles com mais património fujam à tributação, mas esse é um problema que também afecta a cobrança do IMI. Em vez de ser razão para retroceder, constitui razão para se avançar no sentido de um melhor design fiscal. Sobre o segundo tipo de objecção é legítimo questionar a moralidade de cobrar um imposto sobre bens justamente adquiridos, não raro com esforços de poupança e de trabalho árduo que não podem ser postos em causa numa sociedade livre. A situação não é diferente das heranças, que também deveriam ser sujeitas a imposto. Não nos iludamos: a contraparte de uma sociedade de herdeiros é sempre uma sociedade de deserdados. Uma sociedade que não preserve um nível mínimo de mobilidade social entre gerações não é livre.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
André Barata, Filósofo
00:09
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