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Um milagre no fim da tarde
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Um milagre no fim da tarde
O facto de termos de reconhecer que existem áreas de conhecimento que olimpicamente fomos ignorando durante anos e que, de um momento para o outro, se nos tornaram incontornáveis, pode converter-se num pesadelo.
E, de repente, apercebemo-nos de que há matérias e problemas que não conseguimos dominar facilmente e que já quase só mesmo nós julgamos novos.
Pedimos ajuda e, depois de nos terem gentilmente explicado como fazer – ignorando, todavia, que nos faltam as bases para uma compreensão razoável da questão –, afirmamos que sim, que já entendemos, mas da vez seguinte, quando o problema volta a surgir, somos obrigados, de novo, a pedir auxílio.
Sorrimos nervosos, verberamos uma tecnologia que, dizemos, só nos rouba tempo para estudar os problemas que realmente nos interessam e lá deixamos que outros resolvam a questão que nos aflige e que, vendo-os fazer, parece de óbvia solução.
Até então, sentíamo-nos seguros e confiantes na nossa experiência e na capacidade que ela nos daria para, rapidamente, ultrapassar quaisquer obstáculos com que íamos deparando.
Mas o facto de termos de reconhecer que existe toda uma área de conhecimento que olimpicamente fomos ignorando durante anos e que, de um momento para o outro, se nos tornou incontornável converte-se num pesadelo que se abate sobre nós como uma quase sentença de morte profissional e cívica.
Engolimos a nossa arrogância e, habituados a não ceder, esforçamo-nos então, desesperadamente, por aprender um pouco mais dessa “ciência oculta”, procurando ultrapassar com uma pressa inexequível as nossas mais visíveis insuficiências, que teimam, por isso, em não desaparecer facilmente.
Pior ainda, constatamos, chocados, a dificuldade real em recuperar o tempo perdido e de agora nos atualizarmos seriamente em matérias que teriam exigido, para serem razoavelmente dominadas, uma prática anterior prolongada.
Humilhados, ensaiamos despistar a situação com discursos despropositados sobre áreas de saber que nos granjearam anteriormente admiração e reconhecimento e julgamos, por via deles, seduzir um auditório consciente e atrapalhado com a nossa inépcia para resolver as dificuldades que verdadeiramente se nos apresentam.
Dizemos que há problemas que não se resolvem premindo uma tecla ou um movimento de arrastar o rato e, derrotados, constatamos por fim que, fazendo tais manobras simples, encontramos até mais acessíveis os textos que escrevêramos sobre eles e que, presentemente, nos esforçamos por reproduzir com evidente menor fluência.
Aguardamos, ainda e apesar de tudo – ou talvez já nem isso – que oiçam com paciência e atenção as nossas dissertações sobre questões passadas, mas concluímos também, por fim, que o que dizemos pouco interessa a quem nos ajuda ou verdadeiramente só interessa como curiosidade histórica.
Regressamos deprimidos a casa, abrimos uma garrafa, bebemos um copo, lemos notícias trágicas que nos distraem da tragédia que nos sucedeu e então sucede, como por milagre, o que já não esperávamos.
Um colega mais novo telefona-nos, apreensivo, a pedir a nossa opinião sobre como lidar com um problema delicado cuja resolução implica ciência e, sobretudo, sensibilidade assegurada pela experiência de vida.
Ouvimos, pacientes, elogiamos a argúcia do jovem que nos interpelou e procuramos honestamente ajudar a resolver um problema que a vida vivida – a nossa ciência, afinal - permite, de facto, interpretar melhor.
Percebemos, então, a importância de nos atualizarmos para conseguirmos transmitir – através das técnicas e linguagens que quase todos hoje dominam – o que verdadeiramente sabemos, pois só assim tal conhecimento pode hoje ser alcançado pela maioria.
Um telefonema a pedir ajuda salvou-nos.
Jurista, Escreve à segunda-feira
04/10/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
E, de repente, apercebemo-nos de que há matérias e problemas que não conseguimos dominar facilmente e que já quase só mesmo nós julgamos novos.
Pedimos ajuda e, depois de nos terem gentilmente explicado como fazer – ignorando, todavia, que nos faltam as bases para uma compreensão razoável da questão –, afirmamos que sim, que já entendemos, mas da vez seguinte, quando o problema volta a surgir, somos obrigados, de novo, a pedir auxílio.
Sorrimos nervosos, verberamos uma tecnologia que, dizemos, só nos rouba tempo para estudar os problemas que realmente nos interessam e lá deixamos que outros resolvam a questão que nos aflige e que, vendo-os fazer, parece de óbvia solução.
Até então, sentíamo-nos seguros e confiantes na nossa experiência e na capacidade que ela nos daria para, rapidamente, ultrapassar quaisquer obstáculos com que íamos deparando.
Mas o facto de termos de reconhecer que existe toda uma área de conhecimento que olimpicamente fomos ignorando durante anos e que, de um momento para o outro, se nos tornou incontornável converte-se num pesadelo que se abate sobre nós como uma quase sentença de morte profissional e cívica.
Engolimos a nossa arrogância e, habituados a não ceder, esforçamo-nos então, desesperadamente, por aprender um pouco mais dessa “ciência oculta”, procurando ultrapassar com uma pressa inexequível as nossas mais visíveis insuficiências, que teimam, por isso, em não desaparecer facilmente.
Pior ainda, constatamos, chocados, a dificuldade real em recuperar o tempo perdido e de agora nos atualizarmos seriamente em matérias que teriam exigido, para serem razoavelmente dominadas, uma prática anterior prolongada.
Humilhados, ensaiamos despistar a situação com discursos despropositados sobre áreas de saber que nos granjearam anteriormente admiração e reconhecimento e julgamos, por via deles, seduzir um auditório consciente e atrapalhado com a nossa inépcia para resolver as dificuldades que verdadeiramente se nos apresentam.
Dizemos que há problemas que não se resolvem premindo uma tecla ou um movimento de arrastar o rato e, derrotados, constatamos por fim que, fazendo tais manobras simples, encontramos até mais acessíveis os textos que escrevêramos sobre eles e que, presentemente, nos esforçamos por reproduzir com evidente menor fluência.
Aguardamos, ainda e apesar de tudo – ou talvez já nem isso – que oiçam com paciência e atenção as nossas dissertações sobre questões passadas, mas concluímos também, por fim, que o que dizemos pouco interessa a quem nos ajuda ou verdadeiramente só interessa como curiosidade histórica.
Regressamos deprimidos a casa, abrimos uma garrafa, bebemos um copo, lemos notícias trágicas que nos distraem da tragédia que nos sucedeu e então sucede, como por milagre, o que já não esperávamos.
Um colega mais novo telefona-nos, apreensivo, a pedir a nossa opinião sobre como lidar com um problema delicado cuja resolução implica ciência e, sobretudo, sensibilidade assegurada pela experiência de vida.
Ouvimos, pacientes, elogiamos a argúcia do jovem que nos interpelou e procuramos honestamente ajudar a resolver um problema que a vida vivida – a nossa ciência, afinal - permite, de facto, interpretar melhor.
Percebemos, então, a importância de nos atualizarmos para conseguirmos transmitir – através das técnicas e linguagens que quase todos hoje dominam – o que verdadeiramente sabemos, pois só assim tal conhecimento pode hoje ser alcançado pela maioria.
Um telefonema a pedir ajuda salvou-nos.
Jurista, Escreve à segunda-feira
04/10/2016
António Cluny
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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