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O recorde de usuários online foi de 864 em Sex Fev 03, 2017 11:03 pm
A crise do fundamentalismo de mercado
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A crise do fundamentalismo de mercado
A convulsão social de 2016 foi levada a cabo pelos eleitores mais velhos, enquanto muitos dos eleitores mais jovens suportaram o status quo.
A maior surpresa política de 2016 foi que toda a gente ficou surpreendida. Eu certamente não tinha desculpa para ter sido apanhado de surpresa: pouco depois da crise de 2008, escrevi um livro sugerindo que o colapso da confiança nas instituições políticas iria seguir-se ao colapso económico, com um desfasamento de, pelo menos, cinco anos.
Já vimos esta sequência antes. A primeira quebra da globalização, descrita por Karl Marx e Friedrich Engels no seu Manifesto Comunista de 1948, foi seguida por reformas nas leis que criaram direitos para a classe trabalhadora sem precedentes. O colapso do imperialismo britânico depois da Primeira Guerra Mundial foi seguido pelo New Deal e pelo Estado Social. E a quebra da economia keynesiana, depois de 1968, foi seguida pela revolução Thatcher-Reagan. No meu livro Capitalismo 4.0, argumento que as turbulências políticas comparáveis seriam acompanhadas pela quarta ruptura sistémica do capitalismo mundial anunciada pela crise de 2008.
Quando um modelo particular de capitalismo está a ser bem-sucedido, o progresso material alivia as pressões políticas. Mas quando a economia falha – e a falha não é apenas uma fase de transição mas um sintoma de contradições profundas – os efeitos secundários sociais do capitalismo disruptivo podem tornar-se politicamente tóxicos.
Foi isso que aconteceu depois de 2008. O falhanço do comércio livre, da desregulamentação e do monetarismo, foi visto como o caminho para a "nova normalidade", que consiste em austeridade permanente e expectativas diminutas, em vez de crise bancárias, desigualdades, perdas de postos de trabalho e deslocalizações culturais temporárias de um período pré-crise que não pode continuar a ser legitimado – assim como os impostos exorbitantes da década de 1950 e 1960 perderam a sua legitimidade na estagflação da década de 1970.
Se estamos a testemunhar este tipo de transformação, então os reformadores que tentam abordar queixas específicas sobre a imigração, o comércio ou as desigualdades de rendimentos, vão perder para os políticos radicais, que desafiam todo o sistema. E, de alguma forma, os radicais vão estar certos.
As responsabilidades pelo desaparecimento dos "bons" empregos no sector industrial não podem ser atribuídas à imigração, ao comércio ou mesmo à tecnologia. Mas enquanto estes vectores de competição económica aumentam os rendimentos nacionais totais, eles não levam necessariamente à distribuição destes ganhos de rendimentos de uma forma socialmente aceitável. Fazer isso exige uma intervenção política deliberada em pelo menos duas frentes.
Em primeiro lugar, a gestão macroeconómica tem de assegurar que a procura cresce sempre de forma tão forte quanto o potencial da oferta criada pela tecnologia e pela globalização. Esta é a visão fundamental keynesiana, que foi temporariamente rejeitada no apogeu do monetarismo durante o início da década de 1980, que foi reintegrada com sucesso na década de 1980 (pelo menos nos Estados Unidos e no Reino Unido), mas esquecida novamente depois de 2009, quando o pânico do défice surgiu.
O regresso à gestão da procura keynesiana pode ser o principal benefício económico da administração de Donald Trump, uma vez que uma política orçamental expansionista substitui os estímulos monetários que são esforços muito menos eficientes. Os Estados Unidos podem agora estar prontos para abandonar os dogmas do monetarismo da independência do banco central e do objectivo para a inflação e restabelecer o pleno emprego como a principal prioridade da gestão da procura. Contudo, para a Europa, esta revolução do pensamento macroeconómico deverá ainda levar anos.
Em segundo lugar, a revolução intelectual vai ser necessária no que diz respeito à intervenção do governo nos desfechos sociais e nas estruturas económicas. O fundamentalismo de mercado esconde uma contradição profunda. O comércio livre, o progresso tecnológico e outras forças que promovem a "eficiência" económica, são apresentadas como benéficas para a sociedade, mesmo que prejudiquem os trabalhadores individualmente e as empresas porque os rendimentos nacionais crescem permitindo aos vencedores compensar os perdedores, assegurando que ninguém fica pior.
O princípio do chamado Pareto tem subjacente uma optimização de todas as reivindicações de uma economia de mercado livre. As políticas de liberalização são justificadas em teoria apenas pela suposição de que as decisões políticas vão distribuir alguns ganhos dos vencedores aos perdedores de uma forma aceitável socialmente. Mas o que é que acontece se os políticos fizeram, na prática, o oposto?
Ao desregulamentar as finanças e o comércio, ao intensificar a concorrência e ao enfraquecer os sindicatos, os governos criaram condições teóricas para que haja uma redistribuição da procura dos vencedores para os perdedores. Mas os defensores do fundamentalismo de mercado não esqueceram simplesmente a redistribuição; eles proibiram-na.
O pretexto era que os impostos, os pagamentos para a Segurança Social e outras intervenções governamentais prejudicam os incentivos e distorcem a concorrência, reduzindo o crescimento económico da sociedade como um todo. Mas, como disse Margaret Thatcher: "(…) não há uma sociedade. Há homens e mulheres individuais e há famílias". Ao focar-se nos benefícios sociais da concorrência enquanto ignoram os custos específicos para as pessoas, os fundamentalistas de mercado ignoram o princípio do individualismo no centro da sua ideologia.
Depois das convulsões políticas de 2016, a contradição fatal entre os benefícios sociais e as perdas individuais não podem continuar a ser ignoradas. Se o comércio, a concorrência e o progresso tecnológico são o poder da próxima fase do capitalismo, então eles têm de ser harmonizados com as intervenções dos governos de forma a redistribuir os ganhos do crescimento de uma forma que Thatcher e Reagan declararam ser tabu.
A necessidade de terminar com estes tabus não significa regressar aos impostos elevados, inflação e à cultura da dependência da década de 1970. À medida que a política monetária e orçamental pode ser calibrada para minimizar tanto o desemprego como a inflação, a redistribuição pode ser desenhada não apenas para reciclar impostos para a assistência social mas para ajudar mais directamente quando os trabalhadores e as comunidades sofrem com a globalização e com as mudanças tecnológicas.
Em vez de dar dinheiro, o que empurra as pessoas de uma situação de emprego para uma situação de desemprego de longo prazo ou para a reforma, os governos podem redistribuir os benefícios do crescimento ao apoiarem o emprego e os rendimentos com subsídios industriais e regionais e com leis que prevêem um salário mínimo. Entre as intervenções mais eficazes deste género, como é demonstrado pela Alemanha e pela Escandinávia, está a colocação de dinheiro na formação profissional de elevada qualidade e na formação contínua de trabalhadores e estudantes fora das universidades, criando caminhos não académicos para as classes médias.
Tudo isto pode soar a receitas óbvias mas os governos têm feito basicamente o oposto. Implementaram sistemas fiscais menos progressivos e reduziram a despesa com educação, políticas industriais e subsídios regionais e colocaram o dinheiro na prestação de cuidados de saúde e nas pensões, e deram dinheiro que encorajou as pessoas a reformarem-se antecipadamente ou por incapacidade. A redistribuição tem estado afastada dos jovens trabalhadores com salários baixos, cujos trabalhos e salários estão genuinamente a ser ameaçados pelo comércio e pela imigração. Porém, esta redistribuição tem caminhado na direcção das elites financeiras, que têm sido quem mais ganha com a globalização, e dos reformados mais velhos cujas pensões, que lhes estão garantidas, protegem-nos das perturbações económicas.
Ainda assim, a convulsão social de 2016 foi levada a cabo pelos eleitores mais velhos, enquanto muitos dos eleitores mais jovens suportaram o status quo. Este paradoxo mostrou que a confusão do pós-crise e a desilusão não terminou. Mas a procura por novos modelos económicos a que chamo "Capitalismo 4.1" claramente já começou – para o bem e para o mal.
Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
Anatole Kaletsky
16 de Janeiro de 2017 às 20:00
Negócios
A maior surpresa política de 2016 foi que toda a gente ficou surpreendida. Eu certamente não tinha desculpa para ter sido apanhado de surpresa: pouco depois da crise de 2008, escrevi um livro sugerindo que o colapso da confiança nas instituições políticas iria seguir-se ao colapso económico, com um desfasamento de, pelo menos, cinco anos.
Já vimos esta sequência antes. A primeira quebra da globalização, descrita por Karl Marx e Friedrich Engels no seu Manifesto Comunista de 1948, foi seguida por reformas nas leis que criaram direitos para a classe trabalhadora sem precedentes. O colapso do imperialismo britânico depois da Primeira Guerra Mundial foi seguido pelo New Deal e pelo Estado Social. E a quebra da economia keynesiana, depois de 1968, foi seguida pela revolução Thatcher-Reagan. No meu livro Capitalismo 4.0, argumento que as turbulências políticas comparáveis seriam acompanhadas pela quarta ruptura sistémica do capitalismo mundial anunciada pela crise de 2008.
Quando um modelo particular de capitalismo está a ser bem-sucedido, o progresso material alivia as pressões políticas. Mas quando a economia falha – e a falha não é apenas uma fase de transição mas um sintoma de contradições profundas – os efeitos secundários sociais do capitalismo disruptivo podem tornar-se politicamente tóxicos.
Foi isso que aconteceu depois de 2008. O falhanço do comércio livre, da desregulamentação e do monetarismo, foi visto como o caminho para a "nova normalidade", que consiste em austeridade permanente e expectativas diminutas, em vez de crise bancárias, desigualdades, perdas de postos de trabalho e deslocalizações culturais temporárias de um período pré-crise que não pode continuar a ser legitimado – assim como os impostos exorbitantes da década de 1950 e 1960 perderam a sua legitimidade na estagflação da década de 1970.
Se estamos a testemunhar este tipo de transformação, então os reformadores que tentam abordar queixas específicas sobre a imigração, o comércio ou as desigualdades de rendimentos, vão perder para os políticos radicais, que desafiam todo o sistema. E, de alguma forma, os radicais vão estar certos.
As responsabilidades pelo desaparecimento dos "bons" empregos no sector industrial não podem ser atribuídas à imigração, ao comércio ou mesmo à tecnologia. Mas enquanto estes vectores de competição económica aumentam os rendimentos nacionais totais, eles não levam necessariamente à distribuição destes ganhos de rendimentos de uma forma socialmente aceitável. Fazer isso exige uma intervenção política deliberada em pelo menos duas frentes.
Em primeiro lugar, a gestão macroeconómica tem de assegurar que a procura cresce sempre de forma tão forte quanto o potencial da oferta criada pela tecnologia e pela globalização. Esta é a visão fundamental keynesiana, que foi temporariamente rejeitada no apogeu do monetarismo durante o início da década de 1980, que foi reintegrada com sucesso na década de 1980 (pelo menos nos Estados Unidos e no Reino Unido), mas esquecida novamente depois de 2009, quando o pânico do défice surgiu.
O regresso à gestão da procura keynesiana pode ser o principal benefício económico da administração de Donald Trump, uma vez que uma política orçamental expansionista substitui os estímulos monetários que são esforços muito menos eficientes. Os Estados Unidos podem agora estar prontos para abandonar os dogmas do monetarismo da independência do banco central e do objectivo para a inflação e restabelecer o pleno emprego como a principal prioridade da gestão da procura. Contudo, para a Europa, esta revolução do pensamento macroeconómico deverá ainda levar anos.
Em segundo lugar, a revolução intelectual vai ser necessária no que diz respeito à intervenção do governo nos desfechos sociais e nas estruturas económicas. O fundamentalismo de mercado esconde uma contradição profunda. O comércio livre, o progresso tecnológico e outras forças que promovem a "eficiência" económica, são apresentadas como benéficas para a sociedade, mesmo que prejudiquem os trabalhadores individualmente e as empresas porque os rendimentos nacionais crescem permitindo aos vencedores compensar os perdedores, assegurando que ninguém fica pior.
O princípio do chamado Pareto tem subjacente uma optimização de todas as reivindicações de uma economia de mercado livre. As políticas de liberalização são justificadas em teoria apenas pela suposição de que as decisões políticas vão distribuir alguns ganhos dos vencedores aos perdedores de uma forma aceitável socialmente. Mas o que é que acontece se os políticos fizeram, na prática, o oposto?
Ao desregulamentar as finanças e o comércio, ao intensificar a concorrência e ao enfraquecer os sindicatos, os governos criaram condições teóricas para que haja uma redistribuição da procura dos vencedores para os perdedores. Mas os defensores do fundamentalismo de mercado não esqueceram simplesmente a redistribuição; eles proibiram-na.
O pretexto era que os impostos, os pagamentos para a Segurança Social e outras intervenções governamentais prejudicam os incentivos e distorcem a concorrência, reduzindo o crescimento económico da sociedade como um todo. Mas, como disse Margaret Thatcher: "(…) não há uma sociedade. Há homens e mulheres individuais e há famílias". Ao focar-se nos benefícios sociais da concorrência enquanto ignoram os custos específicos para as pessoas, os fundamentalistas de mercado ignoram o princípio do individualismo no centro da sua ideologia.
Depois das convulsões políticas de 2016, a contradição fatal entre os benefícios sociais e as perdas individuais não podem continuar a ser ignoradas. Se o comércio, a concorrência e o progresso tecnológico são o poder da próxima fase do capitalismo, então eles têm de ser harmonizados com as intervenções dos governos de forma a redistribuir os ganhos do crescimento de uma forma que Thatcher e Reagan declararam ser tabu.
A necessidade de terminar com estes tabus não significa regressar aos impostos elevados, inflação e à cultura da dependência da década de 1970. À medida que a política monetária e orçamental pode ser calibrada para minimizar tanto o desemprego como a inflação, a redistribuição pode ser desenhada não apenas para reciclar impostos para a assistência social mas para ajudar mais directamente quando os trabalhadores e as comunidades sofrem com a globalização e com as mudanças tecnológicas.
Em vez de dar dinheiro, o que empurra as pessoas de uma situação de emprego para uma situação de desemprego de longo prazo ou para a reforma, os governos podem redistribuir os benefícios do crescimento ao apoiarem o emprego e os rendimentos com subsídios industriais e regionais e com leis que prevêem um salário mínimo. Entre as intervenções mais eficazes deste género, como é demonstrado pela Alemanha e pela Escandinávia, está a colocação de dinheiro na formação profissional de elevada qualidade e na formação contínua de trabalhadores e estudantes fora das universidades, criando caminhos não académicos para as classes médias.
Tudo isto pode soar a receitas óbvias mas os governos têm feito basicamente o oposto. Implementaram sistemas fiscais menos progressivos e reduziram a despesa com educação, políticas industriais e subsídios regionais e colocaram o dinheiro na prestação de cuidados de saúde e nas pensões, e deram dinheiro que encorajou as pessoas a reformarem-se antecipadamente ou por incapacidade. A redistribuição tem estado afastada dos jovens trabalhadores com salários baixos, cujos trabalhos e salários estão genuinamente a ser ameaçados pelo comércio e pela imigração. Porém, esta redistribuição tem caminhado na direcção das elites financeiras, que têm sido quem mais ganha com a globalização, e dos reformados mais velhos cujas pensões, que lhes estão garantidas, protegem-nos das perturbações económicas.
Ainda assim, a convulsão social de 2016 foi levada a cabo pelos eleitores mais velhos, enquanto muitos dos eleitores mais jovens suportaram o status quo. Este paradoxo mostrou que a confusão do pós-crise e a desilusão não terminou. Mas a procura por novos modelos económicos a que chamo "Capitalismo 4.1" claramente já começou – para o bem e para o mal.
Anatole Kaletsky é economista-chefe e co-chairman da Gavekal Dragonomics e o autor de Capitalism 4.0, The Birth of a New Economy.
Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Laranjeiro
Anatole Kaletsky
16 de Janeiro de 2017 às 20:00
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