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O Burro
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O Burro
O que não parece despertar a preocupação de ninguém é o futuro do país e aquilo que, se não for mudado, o tornará bem desconfortável para muitos portugueses.
Comecei há uns dias a ler o último livro de Michael Lewis, The Undoing Project, sobre os psicólogos israelitas Daniel Kahneman e Amos Tversky, e as suas descobertas acerca dos limites a que o juízo humano está sujeito. A dada altura, Lewis conta um episódio sobre um dos professores de Kahneman, um tal de Yeshayahu Leibowitz, em que este fala de um burro posto exactamente a meio da distância que separava dois montes de feno, e que, incapaz de perceber qual dos dois está mais perto, morre de fome.
Leibowitz explicava de seguida que um burro nunca se comportaria assim, e que simplesmente dirigir-se-ia para um deles e comeria quando e sempre que tivesse fome, e que só nós humanos complicaríamos decisões deste tipo. No entanto, concluía ele, “o que acontece a um país em que um burro toma decisões que deviam ser tomadas por pessoas é algo que podemos ler todos os dias nos jornais”.
Leibowitz obviamente não conhecia o que se vai lendo por estes dias nos nossos jornais, mas a sua anedota ilustraria bem a realidade portuguesa. O país enfrenta problemas seriíssimos, desde as suas dificuldades de financiamento (com os juros dos empréstimos que o Estado pede para pagar as suas despesas a subir) à insustentabilidade a longo prazo do “Estado Social”, passando pela fragilidade do sistema bancário ou pelas agruras quotidianas que muitos dos seus cidadãos enfrentam (o desemprego, a pobreza, o endividamento privado, etc.).
Enquanto isso, o que os partidos e os comentadores por eles colocados na imprensa alegremente discutem é se o primeiro-ministro deveria ter voltado da Índia para o funeral de Mário Soares ou quem é mais incoerente, se o PS por querer aprovar uma descida da TSU depois de ter sido contra a medida há uns anos, se o PSD e o CDS pelo inverso, ou o PCP e o BE por não aprovarem a medida que “compensava” o aumento do salário mínimo de que tanto se orgulham. O que não parece despertar a preocupação de ninguém é o futuro do país e aquilo que, se não for mudado, o tornará bem desconfortável para muitos portugueses.
Como o efabulado burro que com fome se debate sobre para que lado se virar até ao ponto em que se extingue à míngua, também os nossos partidos e seus aguadeiros mediáticos ignoram o triste destino que nos aguarda, preocupados que estão com questões sem importância. E os portugueses que não os acompanham nesta loucura, para seu azar, estão entregues a eles, e à sua disposição têm apenas a escolha entre o “mais do mesmo” do PS e suas muletas PCP e BE (o endividamento público necessário para usar o Estado como fonte de financiamento das suas vastas clientelas, os impostos altíssimos para pagar os juros desse endividamento) ou o “menos do mesmo” que no fundo é a “austeridade” de PSD e CDS (o mesmo modelo de Estado omnipresente, apenas mais frugal na hora de gastar).
Aquilo que era preciso – um Estado diferente, que tivesse outro propósito que não o de ser um instrumento de compra de votos e distribuição de favores pelas respectivas clientelas partidárias que do CDS ao BE todos apreciam – não sai das fantasias de alguns pobres sonhadores, que anseiam com um país que, na realidade, não é nem será o nosso.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Bruno Alves, Politólogo
00:08
Jornal Económico
Comecei há uns dias a ler o último livro de Michael Lewis, The Undoing Project, sobre os psicólogos israelitas Daniel Kahneman e Amos Tversky, e as suas descobertas acerca dos limites a que o juízo humano está sujeito. A dada altura, Lewis conta um episódio sobre um dos professores de Kahneman, um tal de Yeshayahu Leibowitz, em que este fala de um burro posto exactamente a meio da distância que separava dois montes de feno, e que, incapaz de perceber qual dos dois está mais perto, morre de fome.
Leibowitz explicava de seguida que um burro nunca se comportaria assim, e que simplesmente dirigir-se-ia para um deles e comeria quando e sempre que tivesse fome, e que só nós humanos complicaríamos decisões deste tipo. No entanto, concluía ele, “o que acontece a um país em que um burro toma decisões que deviam ser tomadas por pessoas é algo que podemos ler todos os dias nos jornais”.
Leibowitz obviamente não conhecia o que se vai lendo por estes dias nos nossos jornais, mas a sua anedota ilustraria bem a realidade portuguesa. O país enfrenta problemas seriíssimos, desde as suas dificuldades de financiamento (com os juros dos empréstimos que o Estado pede para pagar as suas despesas a subir) à insustentabilidade a longo prazo do “Estado Social”, passando pela fragilidade do sistema bancário ou pelas agruras quotidianas que muitos dos seus cidadãos enfrentam (o desemprego, a pobreza, o endividamento privado, etc.).
Enquanto isso, o que os partidos e os comentadores por eles colocados na imprensa alegremente discutem é se o primeiro-ministro deveria ter voltado da Índia para o funeral de Mário Soares ou quem é mais incoerente, se o PS por querer aprovar uma descida da TSU depois de ter sido contra a medida há uns anos, se o PSD e o CDS pelo inverso, ou o PCP e o BE por não aprovarem a medida que “compensava” o aumento do salário mínimo de que tanto se orgulham. O que não parece despertar a preocupação de ninguém é o futuro do país e aquilo que, se não for mudado, o tornará bem desconfortável para muitos portugueses.
Como o efabulado burro que com fome se debate sobre para que lado se virar até ao ponto em que se extingue à míngua, também os nossos partidos e seus aguadeiros mediáticos ignoram o triste destino que nos aguarda, preocupados que estão com questões sem importância. E os portugueses que não os acompanham nesta loucura, para seu azar, estão entregues a eles, e à sua disposição têm apenas a escolha entre o “mais do mesmo” do PS e suas muletas PCP e BE (o endividamento público necessário para usar o Estado como fonte de financiamento das suas vastas clientelas, os impostos altíssimos para pagar os juros desse endividamento) ou o “menos do mesmo” que no fundo é a “austeridade” de PSD e CDS (o mesmo modelo de Estado omnipresente, apenas mais frugal na hora de gastar).
Aquilo que era preciso – um Estado diferente, que tivesse outro propósito que não o de ser um instrumento de compra de votos e distribuição de favores pelas respectivas clientelas partidárias que do CDS ao BE todos apreciam – não sai das fantasias de alguns pobres sonhadores, que anseiam com um país que, na realidade, não é nem será o nosso.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
Bruno Alves, Politólogo
00:08
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