O Velho, o rapaz e o Burro

Ora o Burro são todos aqueles que alimentam isto, que acham que é estúpido o Velho ir a pé para o Rapaz ir montado, para mais tarde pensarem

No alto de um monte viviam um Velho, um Rapaz e um Burro. 

O Velho tinha a ambição de liderar. De mandar. Como lá chegaria não importava. Assinava acordos com o Rapaz e tinha para si ser bom construtor de pontes e aquedutos e cenas dessas. Andava há muito anos a pipilar por todo o lado tendo por vezes opinião própria e por vezes adoptando a dos outros... quando não engolia a sua e dizia que era uma outra, sempre mais conveniente, a melhor de todas.

O Velho era espertalhaço, dado a ouvir muito e a dizer sempre o que os outros queriam ouvir. Corria por aquelas bandas que tinha estudado no estrangeiro, e como toda a gente sabe, o estrangeiro é sempre muito bom. O estrangeiro é que sabe, é do estrangeiro que vêm sempre as boas ideias.

O Velho estava para tudo. A tudo se submeteria para ter a ilusória sensação do poder. De um castelo de areia que montou na sua cabeça, cheio de torres e muralhas, pontes e passadiços, enchia o peito de ar e bazófia. Pena era que quando falava, as suas palavras levava-as o vento. Nem nódoa deixavam.

Já o Rapaz era de outra cepa. Astuto e manhoso, convencido de que dominava a ciência política e tudo o que fazia era isento de erro e de falhas de planeamento. O Rapaz deixava o Velho pensar que mandava alguma coisa. Mas claro está que não mandava nada.

Era ambicioso o Rapaz. E evitava sempre o aleijar-se. Se podia, mandava os outros à frente. Só dava o peito às balas se mesmo necessário.

O Rapaz tinha como melhor amigo um espelho. Falava com ele amiúde a lhe pedir conselho. Claro está que, e toda a gente sabe disso, o espelho não lhe respondia, porque o espelho que responde é de outra “estória” que não esta. Mas isso, ao Rapaz, era de pouca importância. Ele perguntava e respondia, recebendo assim as respostas que lhe interessava ouvir. Com o tempo foi pondo espelhos por todo lado.

Eram espelhos que lhe tinham estima. Se uns eram novos e bem apessoados, outros eram maltratados e velhos de uso. Vidro tosco e sem brilho de tão maltratados serem.

E o Burro? – perguntam vocês. Ora o Burro são todos aqueles que alimentam isto, que acham que é estúpido o Velho ir a pé para o Rapaz ir montado, para mais tarde pensarem o contrário e dizerem que é mesmo idiota ir o Velho em cima do jumento para o pobre jovem ir a pé. E isto para nem referir o que dizem quando, alternadamente, é o Rapaz que carrega o Velho ou o Velho que carrega o Rapaz.

NUNO MORNA / 03 DEZ 2016 / 02:00 H.
Diário de Notícias da Madeira