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Maldita democracia
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Maldita democracia
Vivemos tempos, simultaneamente, perigosos e entusiasmantes, com populações de países desenvolvidos a sufragarem ideologias distantes dos princípios democráticos.
Figura de importância determinante no decurso da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill viria a perder as eleições para os trabalhistas de Clement Attlee, que atiraram “pela borda fora” o grande artífice do triunfo militar na Europa, conhecido como “o Devorador de Alemães”. Não obstante, em discurso realizado na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, Churchill afirmou: “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história.”
Nunca as palavras de Churchill fizeram tanto sentido. A democracia, que etimologicamente significa “governo do povo”, passa, atualmente, por um dos períodos mais negros desde que foi criada na Grécia no século V a.C. Na realidade, algumas das mais importantes democracias mundiais têm, nos dias de hoje, à sua frente, por vontade do povo, figuras de perfil duvidoso, que suportam a sua liderança em ideologias bem distantes daquelas que tradicionalmente definiam os regimes democráticos.
O exemplo americano constitui um paradigma desta afirmação. O multimilionário Donald Trump, conhecido pelos seus princípios sexistas, racistas e radicais, conseguiu, depois de uma campanha populista e altamente demagógica, ascender à presidência na nação mais poderosa do mundo, advogando, entre outras ideias, a deportação de imigrantes, a recusa de acesso aos Estados Unidos por parte de muçulmanos, a construção de um muro entre os EUA e o México, a revogação do programa de saúde criado por Barack Obama para aumentar o número de americanos com acesso a cuidados de saúde, o protecionismo ou a implosão da NATO.
Descrentes no sistema vigente, constantemente marginalizados, os cidadãos acreditam, cada vez mais, nos profetas que lhes anunciam a boa nova. Acontece isto nos EUA, com Trump, no Reino Unido, onde Nigel Farage conseguiu seduzir a população, atirando os britânicos para fora do projeto desenhado na década de 50 do século passado por Schuman e Monnet, ou em França, onde Marine Le Pen se afirma diariamente como potencial futura presidente, face ao descalabro que foi a atuação do socialista François Hollande.
Vivemos, pois, tempos, simultaneamente, perigosos e entusiasmantes, com populações de países desenvolvidos a sufragarem ideologias distantes dos princípios democráticos, com o melhor dos piores regimes a garantir a ascensão ao poder de pseudo-ditadores ancorados em discursos fantasiosos.
É caso para dizermos “maldita democracia”, que nos coloca nas mãos de um conjunto de indivíduos a que chamam povo, incapazes de percecionar as verdadeiras intenções de personalidades como Trump, Putin, Farage, Le Pen ou outros. Este é o caminho mais curto para os regimes totalitários que advogam que o povo se mostra incapaz de escolher adequadamente os seus representantes, razão pela qual deve pertencer a um círculo de iluminados a tarefa de governar, ignorando a voz das massas. A democracia, tal como a conhecemos, está, pois, à prova, talvez como nunca esteve nos últimos anos. Resta saber se conseguirá resistir aos difíceis tempos que se adivinham.
João Atanásio, Professor, Universidade Europeia
00:07
Jornal Económico
Figura de importância determinante no decurso da Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill viria a perder as eleições para os trabalhistas de Clement Attlee, que atiraram “pela borda fora” o grande artífice do triunfo militar na Europa, conhecido como “o Devorador de Alemães”. Não obstante, em discurso realizado na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, Churchill afirmou: “A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história.”
Nunca as palavras de Churchill fizeram tanto sentido. A democracia, que etimologicamente significa “governo do povo”, passa, atualmente, por um dos períodos mais negros desde que foi criada na Grécia no século V a.C. Na realidade, algumas das mais importantes democracias mundiais têm, nos dias de hoje, à sua frente, por vontade do povo, figuras de perfil duvidoso, que suportam a sua liderança em ideologias bem distantes daquelas que tradicionalmente definiam os regimes democráticos.
O exemplo americano constitui um paradigma desta afirmação. O multimilionário Donald Trump, conhecido pelos seus princípios sexistas, racistas e radicais, conseguiu, depois de uma campanha populista e altamente demagógica, ascender à presidência na nação mais poderosa do mundo, advogando, entre outras ideias, a deportação de imigrantes, a recusa de acesso aos Estados Unidos por parte de muçulmanos, a construção de um muro entre os EUA e o México, a revogação do programa de saúde criado por Barack Obama para aumentar o número de americanos com acesso a cuidados de saúde, o protecionismo ou a implosão da NATO.
Descrentes no sistema vigente, constantemente marginalizados, os cidadãos acreditam, cada vez mais, nos profetas que lhes anunciam a boa nova. Acontece isto nos EUA, com Trump, no Reino Unido, onde Nigel Farage conseguiu seduzir a população, atirando os britânicos para fora do projeto desenhado na década de 50 do século passado por Schuman e Monnet, ou em França, onde Marine Le Pen se afirma diariamente como potencial futura presidente, face ao descalabro que foi a atuação do socialista François Hollande.
Vivemos, pois, tempos, simultaneamente, perigosos e entusiasmantes, com populações de países desenvolvidos a sufragarem ideologias distantes dos princípios democráticos, com o melhor dos piores regimes a garantir a ascensão ao poder de pseudo-ditadores ancorados em discursos fantasiosos.
É caso para dizermos “maldita democracia”, que nos coloca nas mãos de um conjunto de indivíduos a que chamam povo, incapazes de percecionar as verdadeiras intenções de personalidades como Trump, Putin, Farage, Le Pen ou outros. Este é o caminho mais curto para os regimes totalitários que advogam que o povo se mostra incapaz de escolher adequadamente os seus representantes, razão pela qual deve pertencer a um círculo de iluminados a tarefa de governar, ignorando a voz das massas. A democracia, tal como a conhecemos, está, pois, à prova, talvez como nunca esteve nos últimos anos. Resta saber se conseguirá resistir aos difíceis tempos que se adivinham.
João Atanásio, Professor, Universidade Europeia
00:07
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