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Reforma do sistema político: "A caridade começa em casa"
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Reforma do sistema político: "A caridade começa em casa"
1. O resultado das eleições europeias reflectiu uma rejeição dos partidos ditos tradicionais e uma aposta evidente nos pequenos partidos, e particularmente preocupante, nos partidos eurocépticos. É, pois, evidente a necessidade de reformar o interior dos partidos e o próprio sistema político. De resto, no Conselho Nacional do PSD que se seguiu às eleições esse foi o tema forte trazido a debate pelos conselheiros e, do lado do PS, o actual Secretário-Geral anunciou já que, em Setembro, apresentará, para esse efeito, as propostas do Partido Socialista. Nada contra. Pelo contrário! Este é um debate que tem de ser aberto e franco entre os partidos e que deve ser alargado à sociedade civil. Contudo, depois de quase cinco anos como deputada à Assembleia da República, não posso deixar de notar que, paralelamente a uma reforma do sistema eleitoral, importaria "arrumar a casa" e conferir ao próprio Parlamento um modelo de funcionamento interno mais moderno, mais arrojado e, sobretudo, que olhe mais para o que "é" e menos para o que "parece" ou para o que "quer parecer".
Não é novidade para ninguém que a imagem dos deputados está hoje muito desacreditada junto dos cidadãos. Negá-lo, é negar o óbvio. Por força de uns quantos factores: porque não há nos cidadãos uma consciência clara do papel do deputado e, sobretudo, por força das suas limitações de actuação no contexto dos próprios grupos parlamentares. Acredito, contudo, que a alteração em alguns aspetos do regimento da Assembleia da República podia dar um contributo para inverter este estado de coisas. Quanto a mim, vale a pena repensar alguns pontos.
2. A proximidade entre eleitos e eleitores é um dos factores mais frequentemente apontados como indicador de confiança (ou da falta dela) naqueles que, em cada momento, são chamados a representar os seus concidadãos. Actualmente existe um dia (a segunda-feira) que, na organização da semana parlamentar, é dedicado ao chamado "contacto com o eleitorado". Um dia em que, ao final da tarde, uma boa parte dos deputados está já a caminho de Lisboa para preparar os trabalhos da manhã de terça. Valia a pena equacionar, pelo menos, a possibilidade de se adoptar o regime vigente no Parlamento Europeu e, bem assim, nos parlamentos nacionais da Alemanha, da Áustria, de Espanha, da Noruega e da Suécia em que, ao invés de dias esparsos, há uma semana em cada mês reservada ao contacto com os eleitores. Lembro-me de, em tempos, ter aflorado a questão com alguns colegas mais experientes que me diziam que, por cá, dificilmente poderíamos aprovar uma tal proposta porque as pessoas não compreenderiam, e achariam sempre que se trataria de uma espécie de "semana de férias" parlamentar. É pena que estejamos, as mais das vezes, mais preocupados com "aquilo que parece" do que com a substância. De facto, é bem mais fácil transformar o deputado num "burocrata parlamentar" do que proporcionar o esclarecimento sobre aquele que é ou deve ser, de facto, o seu múnus funcional.
3. Frequentemente tenho oportunidade de falar com os grupos de cidadãos que vão assistir às Sessões Plenárias na AR e que invariavelmente me questionam porque tantos deputados estão a utilizar o computador ou a ler enquanto apenas alguns debatem. Sejamos claros: há matérias que hoje se discutem em plenário - na presença dos 230 deputados - que, pela sua natureza técnica e pelas especificidades sectoriais ou locais que importam, deveriam ser debatidas exclusivamente na comissão respectiva, onde os deputados que a integram se "especializaram" no acompanhamento daqueles assuntos. O problema está na subalternização e na falta de visibilidade do trabalho em comissão que determina que, na prática, tudo tenha honras de plenário. O plenário serve para tudo: para discutir as grandes reformas legislativas e para debater o detalhes da maior especificidade (estou a lembrar-me, por exemplo, das medidas de protecção da praia jurássica de S. Bento, em Porto de Mós); para fiscalizar o governo e para fazer as mesmas perguntas já remetidas por escrito, e ainda para debater livremente a actualidade política às quartas-feiras. Serve para também para debater as petições dos cidadãos - todas as que reúnam mais de 4.000 assinaturas - e, algures no meio, para debater quinzenalmente com o primeiro-ministro. Tudo num espaço em que, claro está, por natureza, os debates são mais políticos e menos técnicos, mais superficiais e menos detalhados. No Luxemburgo, por exemplo, a proporção entre reuniões plenárias e de comissão é de cerca de 60 para 600. E isso não sucede certamente por acaso.
4. A petição pública é hoje - até pelo acesso fácil por via digital - o meio privilegiado usado pelos cidadãos para se dirigirem à AR. Muitas vezes banalizado e desvirtuado (basta ver o que circula pelo site "petição pública"), creio que mereceria, no contexto do parlamento, um tratamento diferente. Com os meios informáticos e digitais, nos dias de hoje, a recolha de 4.000 assinaturas está facilitada ao ponto de implicar a discussão em plenário de petições cujo objecto não justifica o envolvimento de 230 deputados. Ao contrário do que sucede em Portugal, onde as petições são distribuídas pelas várias comissões parlamentares em função da matéria, muitos parlamentos nacionais - como o alemão, o austríaco, o belga, o dinamarquês e o espanhol, apenas para citar alguns - bem como o próprio Parlamento Europeu, têm uma "Comissão de Petições" encarregue de toda a tramitação, nomeadamente da respectiva discussão em reunião pública. Só em casos de maior relevo - ou quando algum grupo parlamentar apresenta, nessa sequência, uma iniciativa legislativa -, são as mesmas debatidas em plenário. Ao invés de se querer que tudo vá a plenário para que tudo receba a atenção dos média, o debate numa comissão desta natureza seria - estou em crer - mais rico e, claro está, mais facilmente escrutável pelos cidadãos.
Não se pense, todavia, que o Parlamento Português é disfuncional. Não é disso - de nada disso - que se trata. Cura-se de aperfeiçoar pontos - e muitos mais haveria a referir, e em tempo a eles voltaremos - e que, julgo, contribuiriam para dignificar o papel do deputado e para proporcionar um trabalho mais eficiente e, em muitos aspectos, mais célere. Mas nunca parece ser o momento oportuno e, sobretudo, uma reforma desta natureza implicaria a "coragem política" de assumir posições que contrariam a ideia que uma boa parte dos cidadãos tem sobre aquela que é a função do deputado. E isso paga-se em popularidade e paga-se em votos. O tempo que vivemos não está, contudo, para meias tintas. Por mim, embarco convicta nessa reforma, assim haja vontade de todos!
Francisca Almeida |
7:00 Domingo, 15 de Junho de 2014
Expresso
Não é novidade para ninguém que a imagem dos deputados está hoje muito desacreditada junto dos cidadãos. Negá-lo, é negar o óbvio. Por força de uns quantos factores: porque não há nos cidadãos uma consciência clara do papel do deputado e, sobretudo, por força das suas limitações de actuação no contexto dos próprios grupos parlamentares. Acredito, contudo, que a alteração em alguns aspetos do regimento da Assembleia da República podia dar um contributo para inverter este estado de coisas. Quanto a mim, vale a pena repensar alguns pontos.
2. A proximidade entre eleitos e eleitores é um dos factores mais frequentemente apontados como indicador de confiança (ou da falta dela) naqueles que, em cada momento, são chamados a representar os seus concidadãos. Actualmente existe um dia (a segunda-feira) que, na organização da semana parlamentar, é dedicado ao chamado "contacto com o eleitorado". Um dia em que, ao final da tarde, uma boa parte dos deputados está já a caminho de Lisboa para preparar os trabalhos da manhã de terça. Valia a pena equacionar, pelo menos, a possibilidade de se adoptar o regime vigente no Parlamento Europeu e, bem assim, nos parlamentos nacionais da Alemanha, da Áustria, de Espanha, da Noruega e da Suécia em que, ao invés de dias esparsos, há uma semana em cada mês reservada ao contacto com os eleitores. Lembro-me de, em tempos, ter aflorado a questão com alguns colegas mais experientes que me diziam que, por cá, dificilmente poderíamos aprovar uma tal proposta porque as pessoas não compreenderiam, e achariam sempre que se trataria de uma espécie de "semana de férias" parlamentar. É pena que estejamos, as mais das vezes, mais preocupados com "aquilo que parece" do que com a substância. De facto, é bem mais fácil transformar o deputado num "burocrata parlamentar" do que proporcionar o esclarecimento sobre aquele que é ou deve ser, de facto, o seu múnus funcional.
3. Frequentemente tenho oportunidade de falar com os grupos de cidadãos que vão assistir às Sessões Plenárias na AR e que invariavelmente me questionam porque tantos deputados estão a utilizar o computador ou a ler enquanto apenas alguns debatem. Sejamos claros: há matérias que hoje se discutem em plenário - na presença dos 230 deputados - que, pela sua natureza técnica e pelas especificidades sectoriais ou locais que importam, deveriam ser debatidas exclusivamente na comissão respectiva, onde os deputados que a integram se "especializaram" no acompanhamento daqueles assuntos. O problema está na subalternização e na falta de visibilidade do trabalho em comissão que determina que, na prática, tudo tenha honras de plenário. O plenário serve para tudo: para discutir as grandes reformas legislativas e para debater o detalhes da maior especificidade (estou a lembrar-me, por exemplo, das medidas de protecção da praia jurássica de S. Bento, em Porto de Mós); para fiscalizar o governo e para fazer as mesmas perguntas já remetidas por escrito, e ainda para debater livremente a actualidade política às quartas-feiras. Serve para também para debater as petições dos cidadãos - todas as que reúnam mais de 4.000 assinaturas - e, algures no meio, para debater quinzenalmente com o primeiro-ministro. Tudo num espaço em que, claro está, por natureza, os debates são mais políticos e menos técnicos, mais superficiais e menos detalhados. No Luxemburgo, por exemplo, a proporção entre reuniões plenárias e de comissão é de cerca de 60 para 600. E isso não sucede certamente por acaso.
4. A petição pública é hoje - até pelo acesso fácil por via digital - o meio privilegiado usado pelos cidadãos para se dirigirem à AR. Muitas vezes banalizado e desvirtuado (basta ver o que circula pelo site "petição pública"), creio que mereceria, no contexto do parlamento, um tratamento diferente. Com os meios informáticos e digitais, nos dias de hoje, a recolha de 4.000 assinaturas está facilitada ao ponto de implicar a discussão em plenário de petições cujo objecto não justifica o envolvimento de 230 deputados. Ao contrário do que sucede em Portugal, onde as petições são distribuídas pelas várias comissões parlamentares em função da matéria, muitos parlamentos nacionais - como o alemão, o austríaco, o belga, o dinamarquês e o espanhol, apenas para citar alguns - bem como o próprio Parlamento Europeu, têm uma "Comissão de Petições" encarregue de toda a tramitação, nomeadamente da respectiva discussão em reunião pública. Só em casos de maior relevo - ou quando algum grupo parlamentar apresenta, nessa sequência, uma iniciativa legislativa -, são as mesmas debatidas em plenário. Ao invés de se querer que tudo vá a plenário para que tudo receba a atenção dos média, o debate numa comissão desta natureza seria - estou em crer - mais rico e, claro está, mais facilmente escrutável pelos cidadãos.
Não se pense, todavia, que o Parlamento Português é disfuncional. Não é disso - de nada disso - que se trata. Cura-se de aperfeiçoar pontos - e muitos mais haveria a referir, e em tempo a eles voltaremos - e que, julgo, contribuiriam para dignificar o papel do deputado e para proporcionar um trabalho mais eficiente e, em muitos aspectos, mais célere. Mas nunca parece ser o momento oportuno e, sobretudo, uma reforma desta natureza implicaria a "coragem política" de assumir posições que contrariam a ideia que uma boa parte dos cidadãos tem sobre aquela que é a função do deputado. E isso paga-se em popularidade e paga-se em votos. O tempo que vivemos não está, contudo, para meias tintas. Por mim, embarco convicta nessa reforma, assim haja vontade de todos!
Francisca Almeida |
7:00 Domingo, 15 de Junho de 2014
Expresso
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