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Governar com ideologia
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Governar com ideologia
Durante quatro anos, a esquerda acusou a direita de radicalismo ideológico: "PS acusa Passos de excesso de ideologia" (2011), "A austeridade persiste como ideologia no governo" (2012), "Passos age por ideologia" (2014), "A política de privatizações, nomeadamente a TAP, é cegueira ideológica" (2015). Desde que a gerigonça governa, nos últimos 14 meses, ouvimos a mesma coisa do lado da direita contra o alegado radicalismo ideológico da esquerda: "Passos diz que a decisão do governo com o fim dos contratos de associação na educação é ideológica", "Portas não quer pagar imposto ideológico pela TAP", "As reversões são opção ideológica do governo", "As medidas da gerigonça mostram que estamos no tempo de radicalismos ideológicos" (tudo isto se pôde ler em 2016). Em Portugal governar com ideologia é consensualmente mau.
E, no entanto, uma determinada ideologia, seja ela qual for, é uma forma de pensar a organização económica e social de uma comunidade. Consequentemente, um bom governo tem de ser ideológico por natureza. Governar com ideologia é saber o que se quer para um país em termos das ideias e dos projetos em que se acredita. Governar sem ideologia é fazê-lo em função dos interesses pontuais, dos estímulos externos ou da corrupção. Nenhum país, certamente, quer ser governado por um conjunto de indivíduos sem ideologia, sem projeto, sem visão para a sua comunidade.
Mas porque é governar com ideologia mau em Portugal? Há duas ideias distintas, mas ambas com origens no ambiente político do nosso século XIX e bem exploradas pelo Estado Novo. De tal forma, que estas ideias fazem parte do ADN da nossa democracia. A ideologia como maldade fez parte da retórica do Estado Novo, pura propaganda, claro, que infelizmente os líderes democráticos gostam de usar quando é preciso apelar a um qualquer quadro mental que persiste no espaço público em Portugal.
Primeiro, a dicotomia entre interesse nacional e ideologia. Por exemplo, como defendia Passos Coelho, em maio de 2016, "com o fim dos contratos de associação no ensino o governo não está a pensar nos interesses das famílias e dos estudantes, mas em interesses corporativos e ideológicos". Portanto, há o interesse de Portugal e dos portugueses (o tal interesse nacional) e a ideologia (um misterioso interesse de gente malvada). Interesse nacional e ideologia são antónimos. Como foi largamente difundido durante o Estado Novo, os partidos dedicam-se à mera guerra de ideologias, mas o verdadeiro patriota defende o interesse nacional acima da ideologia traiçoeira. Portanto, é preciso governar com patriotismo e não com ideologia. Como se isso, em si mesmo, não fosse uma ideologia. Como se o interesse nacional existisse numa determinação absoluta sem qualquer referência a uma ideologia. Lamentavelmente, tanto a direita como a esquerda, quando na oposição, recuperam a falsa dicotomia entre interesse nacional (defendido evidentemente pela oposição) e a ideologia (propriedade do partido no governo). Fugindo, assim, a qualquer discussão política. Porque, de um lado, temos as ideias (a malvada ideologia) e do outro aqueles que estão acima das ideias (os patriotas que defendem o interesse nacional).
A segunda ideia é a ideologia como lado mau e o pragmatismo como lado bom das políticas públicas. Enquanto os partidos se dedicam à intriga ideológica, o "nosso" chefe governa por amor a Portugal, sem amarras a grandes filosofias ou a intelectualidades. Apenas quer o bem dos portugueses. Cavaco pegou nessa tese do Estado Novo e ajustou-a à realidade dos anos 90. O PSD bom, pragmático, sem ideologia, amigo do desenvolvimento, contra o PS, ideológico, agarrado a ideias ultrapassadas. Para já não falar do PC. O tal da ideologia comunista. Ou, como disse Cavaco no final do seu mandato presidencial, vinte anos depois, "a realidade acaba por derrotar a ideologia". Há ideologia e há realidade. Uma autêntica impossibilidade filosófica e política. Como se houvesse realidade sem ideologia. Como se fosse possível perceber a realidade económica e social num completo vácuo ideológico. Como se o próprio pragmatismo não fosse ele mesmo uma ideologia. Mais uma vez, trata-se de viciar a discussão política entre os realistas tecnocratas (sem ideologia) e os irrealistas irresponsáveis (com ideologia).
Em política, socorrer-se do interesse nacional ou do realismo contra a ideologia é fugir ao saudável combate das ideias. Mas, acima de tudo, é insistir num discurso pouco democrático. Felizmente, vamos tendo governos de esquerda e de direita com ideologia. Mas faz falta mais ideologia. Porque sem ideologia não sei que projeto de futuro esperam os partidos oferecer aos portugueses. E Portugal, estagnado há quase vinte anos, bem precisa de algum projeto. Portugal precisa de alguma esperança. Sem ideologia, não há esperança possível.
07 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
E, no entanto, uma determinada ideologia, seja ela qual for, é uma forma de pensar a organização económica e social de uma comunidade. Consequentemente, um bom governo tem de ser ideológico por natureza. Governar com ideologia é saber o que se quer para um país em termos das ideias e dos projetos em que se acredita. Governar sem ideologia é fazê-lo em função dos interesses pontuais, dos estímulos externos ou da corrupção. Nenhum país, certamente, quer ser governado por um conjunto de indivíduos sem ideologia, sem projeto, sem visão para a sua comunidade.
Mas porque é governar com ideologia mau em Portugal? Há duas ideias distintas, mas ambas com origens no ambiente político do nosso século XIX e bem exploradas pelo Estado Novo. De tal forma, que estas ideias fazem parte do ADN da nossa democracia. A ideologia como maldade fez parte da retórica do Estado Novo, pura propaganda, claro, que infelizmente os líderes democráticos gostam de usar quando é preciso apelar a um qualquer quadro mental que persiste no espaço público em Portugal.
Primeiro, a dicotomia entre interesse nacional e ideologia. Por exemplo, como defendia Passos Coelho, em maio de 2016, "com o fim dos contratos de associação no ensino o governo não está a pensar nos interesses das famílias e dos estudantes, mas em interesses corporativos e ideológicos". Portanto, há o interesse de Portugal e dos portugueses (o tal interesse nacional) e a ideologia (um misterioso interesse de gente malvada). Interesse nacional e ideologia são antónimos. Como foi largamente difundido durante o Estado Novo, os partidos dedicam-se à mera guerra de ideologias, mas o verdadeiro patriota defende o interesse nacional acima da ideologia traiçoeira. Portanto, é preciso governar com patriotismo e não com ideologia. Como se isso, em si mesmo, não fosse uma ideologia. Como se o interesse nacional existisse numa determinação absoluta sem qualquer referência a uma ideologia. Lamentavelmente, tanto a direita como a esquerda, quando na oposição, recuperam a falsa dicotomia entre interesse nacional (defendido evidentemente pela oposição) e a ideologia (propriedade do partido no governo). Fugindo, assim, a qualquer discussão política. Porque, de um lado, temos as ideias (a malvada ideologia) e do outro aqueles que estão acima das ideias (os patriotas que defendem o interesse nacional).
A segunda ideia é a ideologia como lado mau e o pragmatismo como lado bom das políticas públicas. Enquanto os partidos se dedicam à intriga ideológica, o "nosso" chefe governa por amor a Portugal, sem amarras a grandes filosofias ou a intelectualidades. Apenas quer o bem dos portugueses. Cavaco pegou nessa tese do Estado Novo e ajustou-a à realidade dos anos 90. O PSD bom, pragmático, sem ideologia, amigo do desenvolvimento, contra o PS, ideológico, agarrado a ideias ultrapassadas. Para já não falar do PC. O tal da ideologia comunista. Ou, como disse Cavaco no final do seu mandato presidencial, vinte anos depois, "a realidade acaba por derrotar a ideologia". Há ideologia e há realidade. Uma autêntica impossibilidade filosófica e política. Como se houvesse realidade sem ideologia. Como se fosse possível perceber a realidade económica e social num completo vácuo ideológico. Como se o próprio pragmatismo não fosse ele mesmo uma ideologia. Mais uma vez, trata-se de viciar a discussão política entre os realistas tecnocratas (sem ideologia) e os irrealistas irresponsáveis (com ideologia).
Em política, socorrer-se do interesse nacional ou do realismo contra a ideologia é fugir ao saudável combate das ideias. Mas, acima de tudo, é insistir num discurso pouco democrático. Felizmente, vamos tendo governos de esquerda e de direita com ideologia. Mas faz falta mais ideologia. Porque sem ideologia não sei que projeto de futuro esperam os partidos oferecer aos portugueses. E Portugal, estagnado há quase vinte anos, bem precisa de algum projeto. Portugal precisa de alguma esperança. Sem ideologia, não há esperança possível.
07 DE FEVEREIRO DE 2017
00:00
Nuno Garoupa
Diário de Notícias
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