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Exportar boas escolhas
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Exportar boas escolhas
Falo da Europa, porque o passado, o presente e o futuro de Portugal não é concebível fora dela, nem se deseja que o seja.
Falo do passado, não só por ser historiador, mas também, e sobretudo, porque que acredito que dele se pode aprender com as boas e as más escolhas que nos permitam projectar o futuro. Porque os povos, tal como o indivíduo, são também o que foram e o passado define-os.
A Europa vive actualmente sob o signo da crise. Crise da democracia, crise económica, crise do modelo social, crise das instituições, crise identitária.
As crises, porque trazem consigo a ruptura dos sistemas, dos modelos em que a sociedade se estrutura, causam surpresa, estupefacção e a sensação de impotência perante o desastre. É neste estado que o Velho Continente se encontra. Parece haver na Europa, das elites ao cidadão comum, uma "estranha falta de vontade de futuro", como diz Bento XVI.
Todavia, porque o instinto de sobrevivência e o génio criador dos homens os motiva a reconstruir sob novas arquitecturas o que está em ruínas, é tempo da Europa passar da apatia presente para a acção. Porém, para a execução dessa tarefa, urge aprender com o passado. Tal como os arquitectos do Renascimento recolheram ensinamentos e inspiração nos monumentos clássicos, também nós, os europeus do século XXI, devemos tirar lições das crises que os nossos avós viveram, para sabermos como agir ou como não agir.
O século XX dá-nos importantes exemplos a que devemos prestar atenção. Definido pelo historiador inglês Eric Hobsbawm como a "Era dos Extremos", o século passado foi pródigo em crises, cujo epicentro se situou na Europa. As duas guerras mundiais constituíram trágicos momentos de ruptura que obrigaram os nossos antepassados a redefinir fronteiras, instituições e modelos de sociedade. Porém, a resposta à crise das duas guerras foi diferente e com resultados diametralmente opostos.
A solução encontrada pela Europa do pós-I Guerra, foi uma má escolha. Já a resposta europeia à crise da II Guerra, foi uma boa escolha.
Terminada a Grande Guerra, em 1918, as nações ensaiaram um primeiro projecto de concertação através da Sociedade das Nações, que pretendeu consagrar, nas relações entre os Estados, o princípio do Estado de Direito, por oposição ao Estado de Natureza (o todos contra todos, de Hobbes), que até então predominara na política internacional.
Todavia, o projecto, ainda que bem intencionado, soçobrou perante a emergência de nacionalismos agressivos e do populismo, que se traduziram politicamente na emergência do fascismo nas suas diferentes declinações nacionais, fazendo renascer os velhos preconceitos que dividiam os povos da Europa. A juntar a esta mistura explosiva, a Grande Depressão, decorrente de um modelo económico gerador de grandes desequilíbrios entre nações e entre classes sociais, veio contribuir para o exacerbamento dos ânimos que conduziria a uma nova crise: a II Guerra Mundial. Assim se conclui, que a solução para resolver a crise da Grande Guerra foi uma má escolha.
Quando assistimos, actualmente, à reemergência de movimentos independentistas na Europa, ao crescimento de partidos radicais anti-europeístas e ao renascimento de preconceitos entre os povos do norte e do sul, torna-se claro que não é por aí o caminho.
A Europa do pós-II Guerra, pelo contrário, apostou na paz, na cooperação, e na prosperidade. A Comunidade Económica Europeia, baseada nos valores fundacionais da nossa civilização, humanista e de matriz judaico-cristã, beneficiária portanto da "herança dupla de Atenas e Jerusalém", como lembra George Steiner, teve por finalidade a reconstrução de uma Europa baseada no primado da Lei, no respeito pela dignidade do Homem, na garantia da sua liberdade de criar e empreender - no âmbito de uma economia de mercado baseada numa consciência social que assegurasse ao maior número a igualdade de oportunidades -, na democracia. São estes os pressupostos inscritos no Preâmbulo do Tratado de Roma, a Magna Carta do projecto europeu.
Foi este modelo que permitiu à Europa não apenas construir a paz duradoura que nunca conhecera, mas também a sociedade mais equilibrada, harmoniosa e equitativa que a História conheceu. Nunca tantos viveram tão bem, alguém dizia. E é bem verdade.
O modelo europeu está em crise, é certo. Mas não é abdicando deste adquirido civilizacional admirável que conseguiremos superá-la com sucesso.
É uma realidade que a economia globalizada o pôs em cheque, mas abdicar destes valores para nos adaptarmos a um capitalismo desvirtuado, não é uma boa escolha. Até porque o capitalismo tal como se estrutura actualmente, é incoerente consigo mesmo. Para os pensadores clássicos do liberalismo económico, este era encarado como um meio para a libertação do homem e não como um fim em si mesmo. Um liberalismo que se orienta exclusivamente pelo lucro, não visando um objectivo maior, está condenado ao fracasso. De facto, não custa imaginar que se Adam Smith ou Stuart Mill pudessem contemplar a China de hoje, ficariam aterrados. Um liberalismo que não liberta, pelo contrário subjuga e desqualifica o Homem, é tudo menos liberalismo.
Assim, o modelo europeu, que necessariamente terá que sujeitar-se a ajustamentos - mas não a deformações que o subvertam - é o que melhor interpreta os fins últimos da economia de mercado: a liberdade, em que se fundam os valores civilizacionais que acima elenquei. A História dar-nos-á, a seu tempo, razão.
Por tudo isto, o ‘Plano A' que concebo é este: a Europa deve ser igual a si mesma, ser fiel aos princípios de civilização que lhe deram forma e que o projecto europeu tão bem traduziu. Deve, por isso, manter-se firmemente ancorada neles. A nova arquitectura da Europa não deve, pois, fazer tábua rasa do que foi já construído, mas ser repensada a partir do já erigido.
E porque as virtudes da construção europeia são auto-evidentes, constituem também uma boa escolha para o Mundo. Mundo esse que continua a olhar para a Europa como um espaço de tolerância, procurado pelos exilados de todo o planeta e como espaço de criação e inovação, que continua a ditar os padrões do pensamento, do gosto e da estética. E tudo isto porquê? Porque somos livres.
Estou confiante que os nossos melhores produtos de exportação na presente centúria serão os nossos valores sociais e políticos, que podem servir de inspiração para a criação noutras partes do mundo, de sociedades mais justas e mais harmoniosas.
Edmundo Alves
06/08/14 00:05 h
Económico
Falo do passado, não só por ser historiador, mas também, e sobretudo, porque que acredito que dele se pode aprender com as boas e as más escolhas que nos permitam projectar o futuro. Porque os povos, tal como o indivíduo, são também o que foram e o passado define-os.
A Europa vive actualmente sob o signo da crise. Crise da democracia, crise económica, crise do modelo social, crise das instituições, crise identitária.
As crises, porque trazem consigo a ruptura dos sistemas, dos modelos em que a sociedade se estrutura, causam surpresa, estupefacção e a sensação de impotência perante o desastre. É neste estado que o Velho Continente se encontra. Parece haver na Europa, das elites ao cidadão comum, uma "estranha falta de vontade de futuro", como diz Bento XVI.
Todavia, porque o instinto de sobrevivência e o génio criador dos homens os motiva a reconstruir sob novas arquitecturas o que está em ruínas, é tempo da Europa passar da apatia presente para a acção. Porém, para a execução dessa tarefa, urge aprender com o passado. Tal como os arquitectos do Renascimento recolheram ensinamentos e inspiração nos monumentos clássicos, também nós, os europeus do século XXI, devemos tirar lições das crises que os nossos avós viveram, para sabermos como agir ou como não agir.
O século XX dá-nos importantes exemplos a que devemos prestar atenção. Definido pelo historiador inglês Eric Hobsbawm como a "Era dos Extremos", o século passado foi pródigo em crises, cujo epicentro se situou na Europa. As duas guerras mundiais constituíram trágicos momentos de ruptura que obrigaram os nossos antepassados a redefinir fronteiras, instituições e modelos de sociedade. Porém, a resposta à crise das duas guerras foi diferente e com resultados diametralmente opostos.
A solução encontrada pela Europa do pós-I Guerra, foi uma má escolha. Já a resposta europeia à crise da II Guerra, foi uma boa escolha.
Terminada a Grande Guerra, em 1918, as nações ensaiaram um primeiro projecto de concertação através da Sociedade das Nações, que pretendeu consagrar, nas relações entre os Estados, o princípio do Estado de Direito, por oposição ao Estado de Natureza (o todos contra todos, de Hobbes), que até então predominara na política internacional.
Todavia, o projecto, ainda que bem intencionado, soçobrou perante a emergência de nacionalismos agressivos e do populismo, que se traduziram politicamente na emergência do fascismo nas suas diferentes declinações nacionais, fazendo renascer os velhos preconceitos que dividiam os povos da Europa. A juntar a esta mistura explosiva, a Grande Depressão, decorrente de um modelo económico gerador de grandes desequilíbrios entre nações e entre classes sociais, veio contribuir para o exacerbamento dos ânimos que conduziria a uma nova crise: a II Guerra Mundial. Assim se conclui, que a solução para resolver a crise da Grande Guerra foi uma má escolha.
Quando assistimos, actualmente, à reemergência de movimentos independentistas na Europa, ao crescimento de partidos radicais anti-europeístas e ao renascimento de preconceitos entre os povos do norte e do sul, torna-se claro que não é por aí o caminho.
A Europa do pós-II Guerra, pelo contrário, apostou na paz, na cooperação, e na prosperidade. A Comunidade Económica Europeia, baseada nos valores fundacionais da nossa civilização, humanista e de matriz judaico-cristã, beneficiária portanto da "herança dupla de Atenas e Jerusalém", como lembra George Steiner, teve por finalidade a reconstrução de uma Europa baseada no primado da Lei, no respeito pela dignidade do Homem, na garantia da sua liberdade de criar e empreender - no âmbito de uma economia de mercado baseada numa consciência social que assegurasse ao maior número a igualdade de oportunidades -, na democracia. São estes os pressupostos inscritos no Preâmbulo do Tratado de Roma, a Magna Carta do projecto europeu.
Foi este modelo que permitiu à Europa não apenas construir a paz duradoura que nunca conhecera, mas também a sociedade mais equilibrada, harmoniosa e equitativa que a História conheceu. Nunca tantos viveram tão bem, alguém dizia. E é bem verdade.
O modelo europeu está em crise, é certo. Mas não é abdicando deste adquirido civilizacional admirável que conseguiremos superá-la com sucesso.
É uma realidade que a economia globalizada o pôs em cheque, mas abdicar destes valores para nos adaptarmos a um capitalismo desvirtuado, não é uma boa escolha. Até porque o capitalismo tal como se estrutura actualmente, é incoerente consigo mesmo. Para os pensadores clássicos do liberalismo económico, este era encarado como um meio para a libertação do homem e não como um fim em si mesmo. Um liberalismo que se orienta exclusivamente pelo lucro, não visando um objectivo maior, está condenado ao fracasso. De facto, não custa imaginar que se Adam Smith ou Stuart Mill pudessem contemplar a China de hoje, ficariam aterrados. Um liberalismo que não liberta, pelo contrário subjuga e desqualifica o Homem, é tudo menos liberalismo.
Assim, o modelo europeu, que necessariamente terá que sujeitar-se a ajustamentos - mas não a deformações que o subvertam - é o que melhor interpreta os fins últimos da economia de mercado: a liberdade, em que se fundam os valores civilizacionais que acima elenquei. A História dar-nos-á, a seu tempo, razão.
Por tudo isto, o ‘Plano A' que concebo é este: a Europa deve ser igual a si mesma, ser fiel aos princípios de civilização que lhe deram forma e que o projecto europeu tão bem traduziu. Deve, por isso, manter-se firmemente ancorada neles. A nova arquitectura da Europa não deve, pois, fazer tábua rasa do que foi já construído, mas ser repensada a partir do já erigido.
E porque as virtudes da construção europeia são auto-evidentes, constituem também uma boa escolha para o Mundo. Mundo esse que continua a olhar para a Europa como um espaço de tolerância, procurado pelos exilados de todo o planeta e como espaço de criação e inovação, que continua a ditar os padrões do pensamento, do gosto e da estética. E tudo isto porquê? Porque somos livres.
Estou confiante que os nossos melhores produtos de exportação na presente centúria serão os nossos valores sociais e políticos, que podem servir de inspiração para a criação noutras partes do mundo, de sociedades mais justas e mais harmoniosas.
Edmundo Alves
06/08/14 00:05 h
Económico
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