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Mensagem por Admin Qui Jan 29, 2015 4:57 pm

O último profeta 398367

Foi celebrado ainda em vida como um dos últimos grandes heróis do nosso tempo, alheado de egoísmos, materialismos e mundanidades. Foi proclamado o derradeiro asceta pós-moderno e pós-contemporâneo. Consta que terá sido o único orador a quem o Power Point nunca lhe falhou. O último dos moicanos, mas na tecnologia. Teve direito a biopic e a uma série infinita de compilações de índole biográfica, umas autorizadas e outras não, mas todas elas celebratórias. Foi muito tido em conta pelo seu guarda-roupa, sempre tão básico e eficaz (embora as golas-altas pretas fossem de cachemira e feitas exclusivamente para ele por Issey Myake), tão indiferente à sua posição no contexto ocidental, dependente da estética da opulência. Foi o grande exemplo para todos os novos empreendedores na área da tecnologia.

Têm surgido notícias que dão conta do descontentamento dos clientes Apple. Dizem os entendidos que Steve Jobs deve andar às voltas na campa
Steve Jobs, CEO e fundador da Apple, a empresa que revolucionou a forma como consumimos música através do iPod e a forma como comunicamos, através do iPhone, conseguiu criar uma relação de dependência sem precedentes entre os objectos que produziu e os consumidores, de tal forma que consumir Apple se tornou uma espécie de religião.

O feitiço lança-se muito bem: a primeira vez que se abre uma embalagem, o consumidor é enfeitiçado por uma fragrância que, não importa o número de vezes que a venha a desfrutar, o fará sempre sentir único. 'Intuitivo' passou a ser o adjectivo mais utilizado por toda a gente que, dos telemóveis que já deixavam tirar fotografias, passou para os iPhones, que eram quase tão bons como os filofaxes. Utilizar um filofax era intuitivo porque toda a gente sabia o que fazer com um agenda, que não é mais do que um calendário-livro; agora, um telemóvel que no fundo era um pequeno computador... Aí a coisa ficava difícil, só que, lá está, como era muito intuitivo, o povo aderiu em massa e o iPhone tornou-se líder de mercado e factor diferenciador entre quem estava in e quem ficaria out.

Feito à imagem do seu criador, um ecologista flamboyant, das ecologias high-tech, da qualidade durável vs. materiais descartáveis, nem o preço exorbitante afugentou o consumidor exigente, sofisticado, new-age, inteligente e eficaz, ambientalista, ecológico, solidário para com causas sociais e por aí adiante. Apesar de ser tudo uma óptima venda de banha da cobra.

Com falinhas mansas, enfeitiçou-se a nata dos consumidores que dificlmente conseguirá libertar-se do jugo tirano e alienador da facilidade aparente.

E digo 'aparente' porquê? Porque têm surgido, cada vez com maior frequência, notícias que dão conta do descontentamento, também ele intuitivo, dos clientes Apple, especialmente com o seu produto-estrela, o iPhone. Queixam-se que o aparelho se actualiza vezes demais e que o lançamento sucessivo de novas versões quer físicas, quer de software, dificultam a utilização ideal dos dispositivos: para as versões mais antigas, os sistemas operativos tornam-se incompatíveis (dentro do circuito já por si exclusivo), ocupam demasiado espaço na memória dos telefones, têm vontade própria e coagem o utilizador a registar-se em mil coisas que não lhe interessam. Já para não falar na terrível nuvem e no inferno que foi a transição de formato de carregador, mais a longevidade da bateria de qualquer um dos aparelhos. Quem compra um iPhone tem depois de comprar uma capa, uma película para proteger o ecrã, um carregador extra para trazer consigo, um carregador para o carro e ainda uns gigas na cloud, porque cada vez que quiser usufruir da poderosíssima máquina fotográfica do seu iPhone para captar o momento (que é, no fundo o princípio básico da fotografia), caso não tenha espaço livre, vai perdê-lo enquanto apaga irreflectidamente qualquer coisa para libertar espaço na memória.

Quando a fidelidade do consumidor o exclui, não respeita as suas necessidades e segue obstinadamente o caminho oposto, o caso dá-se por mal parado. As vendas do iPhone estão em queda, não é novidade nenhuma. O iPod Classic saíu de circulação e atinge preços históricos em vendas em segunda mão. Augura-se um fim não muito maravilhoso para a marca, com os utilizadores não muito satisfeitos e a declarar abertamente que acabam por voltar a consumir os produtos por inércia, porque recuperar dados com outros dispositivos é mais um pesadelo.

Dizem os entendidos que Steve Jobs deve andar às voltas na campa. Não sei. Mas parece que o rumo da empresa conscienciosa e exemplar se perdeu muito rapidamente com a perda do seu líder, que era afinal a chave do monoteísmo.

Joana Barrios Joana Barrios | 29/01/2015 16:21:12
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