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A mudança necessária: da oratória vã à acção eficaz
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A mudança necessária: da oratória vã à acção eficaz
Como o sistema já provou não ser capaz de se auto-reformar, há que forçar alterações radicais através da pressão e da força de uma renovada opinião pública
“Ao grande orador”, é a inscrição na estátua de José Estêvão, no jardim lateral do Palácio de S. Bento. Não se refere que foi político, deputado, revolucionário, estadista, mas orador. Uma ilustração perfeita do que se passa na nossa classe política, mormente na que habita o palácio ao lado. Um grupo que maioritariamente se esgota no falar, com a suprema agravante de pensar que do seu falar resulta qualquer acção a bem do povo que sempre invoca. Uma primeira medida simbólica de renovação seria retirar para bem longe do parlamento a estátua de José Estêvão, simbolizando que o parlamento não precisa de oratória vã, mas de gente capaz de bem interpretar o sentido do serviço público.
Mas a oratória não se esgota nas tribunas do parlamento e estende-se com sofreguidão às antenas da comunicação social. Em santa aliança, a classe política e os media criaram a realidade de que político que não aparece não existe. Membros do governo, deputados influentes, notáveis tornaram-se simples serventuários das agendas mediáticas, participando activamente num tipo de informação de encher chouriços, com todos a reagir a todos, numa conversa em redondo e num círculo sem sentido, princípio ou fim.
Claro que este supremo desígnio de existir contende com o acto de governar ou de fazer oposição eficaz, pelo ruído que provoca e pelas entropias que cria. E pelo tempo que ocupa, sobrepondo-se ao estudo dos dossiês, à reflexão, ao diálogo com as estruturas da administração pública ou com os intérpretes dos diferentes interesses em jogo. Neste processo esquecem-se as verdadeiras necessidades e aspirações do povo, trocadas pela imperiosa necessidade de existir, servindo os media.
O pessoal político tem vindo a reproduzir-se dentro dos mesmos círculos fechados dos directórios centrais e regionais partidários. Não há recrutamento fora do círculo, pelo que rareia o sangue novo exterior. E, como nos seres humanos, também nas instituições que assim procedem se multiplicam as doenças da consanguinidade. Os sintomas estão à vista, como a dificuldade de obter consensos em pontos essenciais, consequência natural da agressividade que os políticos exibem em público, exemplo acabado de um desbragamento e má educação bem opostos a um viver democrático.
Como o sistema já mostrou não ser capaz de se auto-reformar, há que forçar alterações radicais através da pressão e da força de uma renovada opinião pública. Entre elas, a reforma do sistema eleitoral, pela introdução do voto preferencial nas listas plurinominais, ou através do acesso ao sufrágio de cidadãos independentes interessados no serviço público ou possibilitando a introdução de círculos uninominais, dando assim algum poder aos eleitores na escolha dos deputados, em vez de estes serem exclusivamente escolhidos pelas direcções partidárias.
De forma a fazer surgir gente com vida para além da política ou dos media, que se afirme pela substância e não precise da imagem como prova de existência.
Gente com espírito construtivo e dedicação ao serviço público, que não procure o cisco no olho do vizinho, ou o lançamento da primeira pedra para desviar as atenções de si própria.
Gente honrada, disposta a trabalhar pelo bem comum, e sem que a todo o momento possa ser achincalhada pelo adversário político.
Gente que tenha um sentido colectivo, em vez de prática de tribo.
Gente que, além dos diferentes pontos de vista, lidere e una os portugueses numa democracia de qualidade.
Algo só possível com a mudança do pessoal político e esta só possível com a alteração do sistema eleitoral.
Economista e gestor
Subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade
Por António Pinho Cardão
publicado em 18 Mar 2015 - 08:00
Jornal i
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