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Mensagem por Admin Qui Set 10, 2015 9:26 am

Vivemos num tempo, nós europeus, de palavras pias, de omissões de arame farpado e de cemitérios de mar e, por fim, de atos de cobardia. A evidência do que se acaba de dizer é de tal modo dura, forte e penetrante que seria desrespeitar a inteligência de quem lê tentar sequer uma justificação para mostrar o que entra pelos olhos e os põe a chorar. Ora, perante este dado, uma coisa é indesmentível: nesta nossa Europa, mais do que não estarem a ser tutelados direitos, estão a ser violados, espezinhados, direitos fundamentais.

Paremos, por um instante, para perceber do que se está a falar quando falamos de direitos fundamentais. Na verdade, como se sabe, a utilização constante e maciça de um conceito, de um valor ou até de uma palavra, faz que, passado pouco tempo, o seu valor intrínseco e real seja igual a zero. Isto é: aquilo que um determinado valor ou conceito quer representar ou denotar, no seu significado mais profundo, se mostre indiferente, absolutamente indiferente, para a comunidade. É aquilo a que se chama "deterioração pelo uso" ou, se quisermos e talvez melhor, "deterioração, corrupção ou erosão pelo abuso". Por razões escondidas, que se não podem neste apertado contexto sequer aflorar, a utilização da nobre noção de direitos fundamentais passou, por dá cá aquela palha, a ser veiculada em overdose, levando ao efeito de anestesia quando, real e efetivamente, estão a ser, de forma escancarada e com o maior dos despudores, violados os mais básicos e fundamentais alicerces de uma qualquer comunidade humana: a dignidade da pessoa e a vida. Por isso, quando vemos, ouvimos e lemos o que se está a passar nos muros de arame farpado desta "Mitteleuropa" ou no cemitério do mare nostrum, afirmar que ali estão a ser violados direitos fundamentais é dizer pouco. É dizer nada. Ali, sim ali, estamos a destruir, por ações e omissões, uma parte da nossa civilização europeia. Estamos a entregar, sabe-se lá a que deus menor, sem pejo ou um simples pestanejar, o lado apolíneo ou solar do nosso mais fundo modo de ser: a solidariedade, quando esta entrelaça a fraternidade e a "caritas".

Se todos sabemos que a vida se não reconduz nem se reduz ao direito, é também certo que a força confortadora do direito não pode nem deve ser ignorada. Por certo. No entanto, todos os que lidamos com a defesa intransigente e sem compromissos dos direitos fundamentais - e o Provedor de Justiça é uma das instituições da linha da frente naquela defesa e tutela - sabemos que a palavra não basta - não obstante, infelizmente, em muitas circunstâncias só podermos usar a palavra - e se exigem atos. Quando a morte está, de modo desbragado e provocador, à nossa frente, não basta dizer que aqueles que vão morrer não devem morrer, mas, antes e definitivamente, tudo fazer para que não morram. Este é o ponto. A partir daqui qualquer outra palavra que se disser deixa de ser palavra para se tornar um flatus vocis que só vai enriquecer a retórica mais descarnada de alguns bem--pensantes. Mais. Deixam mesmo de ser sequer "palavras pias" para antes se mostrarem como palavras perversas ou até mesmo diabólicas.

A uma outra luz, ninguém desconhece que perante tamanha dor, perante a dor de milhares e milhares de pessoas que fogem da guerra, da fome e da morte certa, apetece, no sentido mais fundo de uma ética da intenção, mergulhar no silêncio redentor da incompreensão do mal. Mas quem assume cargos políticos - ou independentemente disso, todos aqueles que, como eu, se não reveem naquela ética - sabe bem que o seu horizonte jamais pode ser o da ética da intenção, mas, antes e definitivamente, o do comprometimento com uma ética da responsabilidade. Sim. Da responsabilidade. De percebermos que todos somos responsáveis eticamente por aquelas mortes se nada fizermos. 

Só deste jeito, abrindo-se ao "outro", defendendo o "outro", naquilo que ele tem de mais radical que é a sua vida e a sua dignidade, está o Provedor de Justiça a cumprir o mínimo do seu comprometimento com a defesa, sem reservas, dos direitos, condições, ou o que se lhe quiser chamar, essenciais para que a vida de qualquer pessoa possa ser vivida com uma réstia de dignidade.

por JOSÉ DE FARIA COSTA, Provedor de Justiça
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