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Razões de uma razão (XII)
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Razões de uma razão (XII)
Vivemos num tempo, nós europeus, de palavras pias, de omissões de arame farpado e de cemitérios de mar e, por fim, de atos de cobardia. A evidência do que se acaba de dizer é de tal modo dura, forte e penetrante que seria desrespeitar a inteligência de quem lê tentar sequer uma justificação para mostrar o que entra pelos olhos e os põe a chorar. Ora, perante este dado, uma coisa é indesmentível: nesta nossa Europa, mais do que não estarem a ser tutelados direitos, estão a ser violados, espezinhados, direitos fundamentais.
Paremos, por um instante, para perceber do que se está a falar quando falamos de direitos fundamentais. Na verdade, como se sabe, a utilização constante e maciça de um conceito, de um valor ou até de uma palavra, faz que, passado pouco tempo, o seu valor intrínseco e real seja igual a zero. Isto é: aquilo que um determinado valor ou conceito quer representar ou denotar, no seu significado mais profundo, se mostre indiferente, absolutamente indiferente, para a comunidade. É aquilo a que se chama "deterioração pelo uso" ou, se quisermos e talvez melhor, "deterioração, corrupção ou erosão pelo abuso". Por razões escondidas, que se não podem neste apertado contexto sequer aflorar, a utilização da nobre noção de direitos fundamentais passou, por dá cá aquela palha, a ser veiculada em overdose, levando ao efeito de anestesia quando, real e efetivamente, estão a ser, de forma escancarada e com o maior dos despudores, violados os mais básicos e fundamentais alicerces de uma qualquer comunidade humana: a dignidade da pessoa e a vida. Por isso, quando vemos, ouvimos e lemos o que se está a passar nos muros de arame farpado desta "Mitteleuropa" ou no cemitério do mare nostrum, afirmar que ali estão a ser violados direitos fundamentais é dizer pouco. É dizer nada. Ali, sim ali, estamos a destruir, por ações e omissões, uma parte da nossa civilização europeia. Estamos a entregar, sabe-se lá a que deus menor, sem pejo ou um simples pestanejar, o lado apolíneo ou solar do nosso mais fundo modo de ser: a solidariedade, quando esta entrelaça a fraternidade e a "caritas".
Se todos sabemos que a vida se não reconduz nem se reduz ao direito, é também certo que a força confortadora do direito não pode nem deve ser ignorada. Por certo. No entanto, todos os que lidamos com a defesa intransigente e sem compromissos dos direitos fundamentais - e o Provedor de Justiça é uma das instituições da linha da frente naquela defesa e tutela - sabemos que a palavra não basta - não obstante, infelizmente, em muitas circunstâncias só podermos usar a palavra - e se exigem atos. Quando a morte está, de modo desbragado e provocador, à nossa frente, não basta dizer que aqueles que vão morrer não devem morrer, mas, antes e definitivamente, tudo fazer para que não morram. Este é o ponto. A partir daqui qualquer outra palavra que se disser deixa de ser palavra para se tornar um flatus vocis que só vai enriquecer a retórica mais descarnada de alguns bem--pensantes. Mais. Deixam mesmo de ser sequer "palavras pias" para antes se mostrarem como palavras perversas ou até mesmo diabólicas.
A uma outra luz, ninguém desconhece que perante tamanha dor, perante a dor de milhares e milhares de pessoas que fogem da guerra, da fome e da morte certa, apetece, no sentido mais fundo de uma ética da intenção, mergulhar no silêncio redentor da incompreensão do mal. Mas quem assume cargos políticos - ou independentemente disso, todos aqueles que, como eu, se não reveem naquela ética - sabe bem que o seu horizonte jamais pode ser o da ética da intenção, mas, antes e definitivamente, o do comprometimento com uma ética da responsabilidade. Sim. Da responsabilidade. De percebermos que todos somos responsáveis eticamente por aquelas mortes se nada fizermos.
Só deste jeito, abrindo-se ao "outro", defendendo o "outro", naquilo que ele tem de mais radical que é a sua vida e a sua dignidade, está o Provedor de Justiça a cumprir o mínimo do seu comprometimento com a defesa, sem reservas, dos direitos, condições, ou o que se lhe quiser chamar, essenciais para que a vida de qualquer pessoa possa ser vivida com uma réstia de dignidade.
por JOSÉ DE FARIA COSTA, Provedor de Justiça
Diário de Notícias
Paremos, por um instante, para perceber do que se está a falar quando falamos de direitos fundamentais. Na verdade, como se sabe, a utilização constante e maciça de um conceito, de um valor ou até de uma palavra, faz que, passado pouco tempo, o seu valor intrínseco e real seja igual a zero. Isto é: aquilo que um determinado valor ou conceito quer representar ou denotar, no seu significado mais profundo, se mostre indiferente, absolutamente indiferente, para a comunidade. É aquilo a que se chama "deterioração pelo uso" ou, se quisermos e talvez melhor, "deterioração, corrupção ou erosão pelo abuso". Por razões escondidas, que se não podem neste apertado contexto sequer aflorar, a utilização da nobre noção de direitos fundamentais passou, por dá cá aquela palha, a ser veiculada em overdose, levando ao efeito de anestesia quando, real e efetivamente, estão a ser, de forma escancarada e com o maior dos despudores, violados os mais básicos e fundamentais alicerces de uma qualquer comunidade humana: a dignidade da pessoa e a vida. Por isso, quando vemos, ouvimos e lemos o que se está a passar nos muros de arame farpado desta "Mitteleuropa" ou no cemitério do mare nostrum, afirmar que ali estão a ser violados direitos fundamentais é dizer pouco. É dizer nada. Ali, sim ali, estamos a destruir, por ações e omissões, uma parte da nossa civilização europeia. Estamos a entregar, sabe-se lá a que deus menor, sem pejo ou um simples pestanejar, o lado apolíneo ou solar do nosso mais fundo modo de ser: a solidariedade, quando esta entrelaça a fraternidade e a "caritas".
Se todos sabemos que a vida se não reconduz nem se reduz ao direito, é também certo que a força confortadora do direito não pode nem deve ser ignorada. Por certo. No entanto, todos os que lidamos com a defesa intransigente e sem compromissos dos direitos fundamentais - e o Provedor de Justiça é uma das instituições da linha da frente naquela defesa e tutela - sabemos que a palavra não basta - não obstante, infelizmente, em muitas circunstâncias só podermos usar a palavra - e se exigem atos. Quando a morte está, de modo desbragado e provocador, à nossa frente, não basta dizer que aqueles que vão morrer não devem morrer, mas, antes e definitivamente, tudo fazer para que não morram. Este é o ponto. A partir daqui qualquer outra palavra que se disser deixa de ser palavra para se tornar um flatus vocis que só vai enriquecer a retórica mais descarnada de alguns bem--pensantes. Mais. Deixam mesmo de ser sequer "palavras pias" para antes se mostrarem como palavras perversas ou até mesmo diabólicas.
A uma outra luz, ninguém desconhece que perante tamanha dor, perante a dor de milhares e milhares de pessoas que fogem da guerra, da fome e da morte certa, apetece, no sentido mais fundo de uma ética da intenção, mergulhar no silêncio redentor da incompreensão do mal. Mas quem assume cargos políticos - ou independentemente disso, todos aqueles que, como eu, se não reveem naquela ética - sabe bem que o seu horizonte jamais pode ser o da ética da intenção, mas, antes e definitivamente, o do comprometimento com uma ética da responsabilidade. Sim. Da responsabilidade. De percebermos que todos somos responsáveis eticamente por aquelas mortes se nada fizermos.
Só deste jeito, abrindo-se ao "outro", defendendo o "outro", naquilo que ele tem de mais radical que é a sua vida e a sua dignidade, está o Provedor de Justiça a cumprir o mínimo do seu comprometimento com a defesa, sem reservas, dos direitos, condições, ou o que se lhe quiser chamar, essenciais para que a vida de qualquer pessoa possa ser vivida com uma réstia de dignidade.
por JOSÉ DE FARIA COSTA, Provedor de Justiça
Diário de Notícias
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