O mau ensino americano

Muita gente ainda se lembrará do filme ‘A Rede Social’ (chamava-se em inglês, no original, ‘The Social Network’), de David Fincher, sobre a forma como Mark Zuckernerg (interpretado por Jesse Eiserberg), às vezes atropelando uns amigos mais vivaços e evoluídos tecnologicamente, criara o Facebook. Houve uma coisa que me impressionou muito. Como é que Zuckerberg, estudando em Harvard (conhecida como a Universidade melhor do mundo), interessado na área das tecnologias, ao ir assistir a uma conferência sobre o assunto (para que fora arrastado), não reconheceu quem era Bill Gates (o conferencista), e comentou o que ele dizia até com o maior desprezo. Portanto, um aluno de Harvard, e considerado dos melhores, não sabe coisas tão chãs como essa do Bill Gates, estando ainda por cima a estudar na mesma área. Fiquei ali muito decepcionado com Harvard e Zuckerberg (e a fortuna que ele foi capaz de acumular, e não sei se manterá, não alterou esta minha visão).

Agora, ao ler um velho artigo de George Steiner (ainda deveria haver a União Soviética quando foi escrito), também me surpreendi com uma advertência dele. Steiner, um canonista da literatura ocidental da dimensão de Harold Bloom (de resto, outro americano vindo de fora e da mesma geração), completamente insuspeito de simpatias comunistas (por alguma razão escolheu ser americano), considerava o ensino dos EUA, mesmo o dessas Universidades internacionalmente tão conceituadas como Harvard, relativamente mau, e lembrava que os americanos com estatuto firme de cientistas e analistas são normalmente formados noutros países. Steiner chegava a dizer, o que certamente não faria de ânimo leve, ser o ensino soviético melhor do que o dos EUA. Ele dava muitos exemplos para fundamentar a sua advertência. Mas pensemos só nestes: Steiner é de origem francesa, e em França fez os primeiros estudos que o formaram para a vida; Einstein era alemão; Keynes inglês; ainda inglês, Chaplin; Galbraight, canadiano; Hayek, austríaco; Robert Hughes, o crítico de arte americano que era considerado muito consensualmente o maior crítico mundial de artes plásticas, era australiano.

De modo que os americanos têm mais jeito para pegarem em pessoas com boa informação e depois aproveitá-las e melhorá-las, do que para as formarem desde o início.

Quando compreendi de vez que Steiner tinha razão, e ele não ia dar-se ao trabalho de fazer uma advertência destas se não a achasse necessária, foi quando vi um grupo de amigos tipo linear portugueses, com quem costumo jogar golfe, desatarem numa gargalhada, por acharem o dito de Steiner ingénuo, ou então uma mentira ‘esquerdista’ minha. De facto há muita gente que ainda necessita que lhe digam que o Rei vai nu, e mesmo assim não estão dispostos a acreditar nisso – tão absorvidos estão em preconceitos de quem se acha espertalhoco suficiente para saber tudo da vida (contrariando o que dizem os filósofos desde a Antiguidade, de que quanto mais sabemos melhor percebemos que nada sabemos).

Pedro d´Anunciação | 27/02/2016 13:08
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