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CETA un problème...
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CETA un problème...
Foi uma semana mal dormida para muita gente em Bruxelas, com doses iguais de comédia e de tragédia, numa negociação em vários tabuleiros: intrabelga, europeu, eurocanadiano, com o Brexit em pano de fundo e o TTIP à espreita.
Foi uma semana mal dormida para muita gente em Bruxelas, com doses iguais de comédia e de tragédia, numa negociação em vários tabuleiros: intrabelga, europeu, eurocanadiano, com o Brexit em pano de fundo e o TTIP à espreita.
Quando o crescimento das economias europeias tende a ser inferior à inflação, quando a atual geração de trabalhadores olha para os filhos e pensa que vão ter uma vida menos desafogada do que a sua, quando nenhum de nós tem certezas sobre que emprego terá dentro de dez anos, estão criadas as condições ideais para dar largas ao pânico e à irracionalidade.
Nesta matéria, a globalização tem as costas largas e a defesa do comércio livre tornou-se uma atividade politicamente perigosa. Mesmo quando todos os Estado da União Europeia dependem em grande medida do mercado exportador. A possibilidade de colher dividendos políticos fez frutificar à esquerda e à direita os discursos a favor da autarcia económica, do fecho dos mercados e da expulsão dos imigrantes. Desafio o leitor a ler certas passagens das propostas da Frente Nacional de Marine Le Pen e do PCP e a atribuir a autoria a uns e a outros...
Juntou-se a tudo isto o oportunismo da fauna política belga, em particular dos socialistas francófonos, em perda nas sondagens e a precisar de uma renovação da liderança. O presidente da Valónia, Paul Magnette, decidiu tomar como refém o tratado de comércio da UE com o Canadá (CETA). Aproveitou a fraqueza da Comissão Barroso que, em fim de vida, tinha decidido afastar a regra da maioria qualificada para aprovação de acordos comerciais e consentido na regra da unanimidade, permitindo assim que todos os 28 Estados-membros pudessem fazer apelo às agendas políticas internas para contaminar a negociação do CETA.
Paul Magnette tornou-se, da noite para o dia, um herói, pelo menos na Valónia e certamente junto da esquerda francófona. Obtido o triunfo do adiamento da assinatura do CETA, foi preciso desenvolver um exercício de “face saving” que permitisse, sem modificar o CETA, gravar na pedra a grande vitória valoa.
Para estes fins existem, há muito, as declarações de boas intenções. Em direito internacional público respondem pelo nome de declarações interpretativas que, ao contrário das reservas aos tratados, revelam o entendimento de uma das partes sobre o acordo sem lhe modificarem o conteúdo.
Assim se fez e a Bélgica produziu, após laboriosas negociações belgo-belgas, quatro páginas de declarações interpretativas. Algumas são meramente informativas, como a explicação da natureza federal do Estado belga e a consequente distribuição de competências pelas diversas regiões no que tange a matérias cobertas pelo CETA. É também o caso do anúncio da possibilidade de recurso à cláusula de salvaguarda do equilíbrio dos mercados agrícolas, cláusula que, precisamente, consta do CETA. Uma outra declaração anuncia um pedido de parecer ao Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do mecanismo de solução de diferendos previsto no CETA (Investment Court System, ICS) com o direito da UE, à luz do parecer 1/94 do Tribunal.
Mais complicada é a cláusula soberanista em defesa da necessidade de unanimidade por parte dos Estados da UE para a tomada de decisão por parte do comité de regulamentação do CETA. Esta cláusula arrisca-se a paralisar o mecanismo e a frustrar um dos principais objetivos do acordo, a harmonização regulatória. Nada que as dez páginas da declaração interpretativa comum subscrita pelo Canadá e pela UE não tentem, sem modificar o CETA, resolver.
Mais um triunfo da nota para a comunicação social sobre o texto do acordo...
Escreve à sexta-feira
28/10/2016
Mário João Fernandes
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
Foi uma semana mal dormida para muita gente em Bruxelas, com doses iguais de comédia e de tragédia, numa negociação em vários tabuleiros: intrabelga, europeu, eurocanadiano, com o Brexit em pano de fundo e o TTIP à espreita.
Quando o crescimento das economias europeias tende a ser inferior à inflação, quando a atual geração de trabalhadores olha para os filhos e pensa que vão ter uma vida menos desafogada do que a sua, quando nenhum de nós tem certezas sobre que emprego terá dentro de dez anos, estão criadas as condições ideais para dar largas ao pânico e à irracionalidade.
Nesta matéria, a globalização tem as costas largas e a defesa do comércio livre tornou-se uma atividade politicamente perigosa. Mesmo quando todos os Estado da União Europeia dependem em grande medida do mercado exportador. A possibilidade de colher dividendos políticos fez frutificar à esquerda e à direita os discursos a favor da autarcia económica, do fecho dos mercados e da expulsão dos imigrantes. Desafio o leitor a ler certas passagens das propostas da Frente Nacional de Marine Le Pen e do PCP e a atribuir a autoria a uns e a outros...
Juntou-se a tudo isto o oportunismo da fauna política belga, em particular dos socialistas francófonos, em perda nas sondagens e a precisar de uma renovação da liderança. O presidente da Valónia, Paul Magnette, decidiu tomar como refém o tratado de comércio da UE com o Canadá (CETA). Aproveitou a fraqueza da Comissão Barroso que, em fim de vida, tinha decidido afastar a regra da maioria qualificada para aprovação de acordos comerciais e consentido na regra da unanimidade, permitindo assim que todos os 28 Estados-membros pudessem fazer apelo às agendas políticas internas para contaminar a negociação do CETA.
Paul Magnette tornou-se, da noite para o dia, um herói, pelo menos na Valónia e certamente junto da esquerda francófona. Obtido o triunfo do adiamento da assinatura do CETA, foi preciso desenvolver um exercício de “face saving” que permitisse, sem modificar o CETA, gravar na pedra a grande vitória valoa.
Para estes fins existem, há muito, as declarações de boas intenções. Em direito internacional público respondem pelo nome de declarações interpretativas que, ao contrário das reservas aos tratados, revelam o entendimento de uma das partes sobre o acordo sem lhe modificarem o conteúdo.
Assim se fez e a Bélgica produziu, após laboriosas negociações belgo-belgas, quatro páginas de declarações interpretativas. Algumas são meramente informativas, como a explicação da natureza federal do Estado belga e a consequente distribuição de competências pelas diversas regiões no que tange a matérias cobertas pelo CETA. É também o caso do anúncio da possibilidade de recurso à cláusula de salvaguarda do equilíbrio dos mercados agrícolas, cláusula que, precisamente, consta do CETA. Uma outra declaração anuncia um pedido de parecer ao Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade do mecanismo de solução de diferendos previsto no CETA (Investment Court System, ICS) com o direito da UE, à luz do parecer 1/94 do Tribunal.
Mais complicada é a cláusula soberanista em defesa da necessidade de unanimidade por parte dos Estados da UE para a tomada de decisão por parte do comité de regulamentação do CETA. Esta cláusula arrisca-se a paralisar o mecanismo e a frustrar um dos principais objetivos do acordo, a harmonização regulatória. Nada que as dez páginas da declaração interpretativa comum subscrita pelo Canadá e pela UE não tentem, sem modificar o CETA, resolver.
Mais um triunfo da nota para a comunicação social sobre o texto do acordo...
Escreve à sexta-feira
28/10/2016
Mário João Fernandes
opiniao@newsplex.pt
Jornal i
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