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Um velho miguelismo verdadeiro e sincero
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Um velho miguelismo verdadeiro e sincero
“Portugal era um apeadeiro interessante para quem gostasse de monumentos, férias de Verão, um clima razoável e legumes frescos – e pouco mais”.
O velho Doutor Homem, meu pai, não se importava que os vários ramos da família o olhassem como "um cavalheiro ligeiramente snob" desde que, na mesma frase, usassem o termo "cavalheiro". Ele sabia que a designação "snob" era tão justa que nunca quis corrigir-se, continuando a defender, até ao fim da vida, que Portugal era um apeadeiro interessante para quem gostasse de monumentos, férias de Verão, um clima razoável e legumes frescos – e pouco mais.
A Tia Benedita, matriarca miguelista dos Homem e guardiã da nossa pobre herança ultramontana, não entendia o gracejo; nessas ocasiões, a devota de Carlota Joaquina (ela guardava, como uma relíquia, o soneto dedicado "a Sua Majestade a Imperatriz Rainha Nossa Senhora" pelo ‘Correio do Porto’, na morte da rainha, em 1830) amuava e suspirava pelas tropas do marquês de Chaves, como se festejasse as flâmulas coloridas do miguelismo desfraldadas de novo nas ruas de Braga. O nosso miguelismo era verdadeiro e sincero; fazia (e faz) parte da constelação de tradições e excentricidades do Alto Minho, como uma devoção livre e voluntária, mostrando as colchas nas janelas durante as procissões, desconfiando do dr. Salazar (que o velho Doutor Homem, meu pai, e o meu avô consideravam uma excentricidade ainda maior do que a nossa). Por isso aceitámos tão bem a derrota. Nunca escondemos os retratos dos nossos antepassados (nem mesmo o velho galhardete do Batalhão de Artilharia nº 3, baluarte do legitimismo dos anos vinte) e nunca nos escondemos em nenhuma renúncia. Limitámo-nos a ter sido derrotados, e a pertencer a um mundo de conservadores que quase nunca foram "liberais" Éramos, e seríamos, "da província"; conhecíamos, melhor do que os nossos adversários, as fragilidades e fraquezas das nossas trincheiras. Nunca seríamos "modernos".
O velho Doutor Homem, meu pai, morreu uns meses depois do 25 de Abril, numa manhã chuvosa de Novembro, depois do passeio matinal e de ter escrito uma carta "sobre o tempo que vem" ao seu velho amigo Dr. Palma Carlos, que fora primeiro-ministro por dois meses em 1974. Nela considerava que este não era o seu tempo; mas, a ter sido uma velharia, preferia que se tratasse de uma velharia sem disfarce. Mesmo assim, sobre a escrivaninha tinha o famoso "romance" de Hilda de Toledano, o pseudónimo de Maria Pia de Saxe-Coburgo e Bragança. Era um devoto colecionador de pecados.
Por António Sousa Homem|09.11.16
Correio da Manhã
O velho Doutor Homem, meu pai, não se importava que os vários ramos da família o olhassem como "um cavalheiro ligeiramente snob" desde que, na mesma frase, usassem o termo "cavalheiro". Ele sabia que a designação "snob" era tão justa que nunca quis corrigir-se, continuando a defender, até ao fim da vida, que Portugal era um apeadeiro interessante para quem gostasse de monumentos, férias de Verão, um clima razoável e legumes frescos – e pouco mais.
A Tia Benedita, matriarca miguelista dos Homem e guardiã da nossa pobre herança ultramontana, não entendia o gracejo; nessas ocasiões, a devota de Carlota Joaquina (ela guardava, como uma relíquia, o soneto dedicado "a Sua Majestade a Imperatriz Rainha Nossa Senhora" pelo ‘Correio do Porto’, na morte da rainha, em 1830) amuava e suspirava pelas tropas do marquês de Chaves, como se festejasse as flâmulas coloridas do miguelismo desfraldadas de novo nas ruas de Braga. O nosso miguelismo era verdadeiro e sincero; fazia (e faz) parte da constelação de tradições e excentricidades do Alto Minho, como uma devoção livre e voluntária, mostrando as colchas nas janelas durante as procissões, desconfiando do dr. Salazar (que o velho Doutor Homem, meu pai, e o meu avô consideravam uma excentricidade ainda maior do que a nossa). Por isso aceitámos tão bem a derrota. Nunca escondemos os retratos dos nossos antepassados (nem mesmo o velho galhardete do Batalhão de Artilharia nº 3, baluarte do legitimismo dos anos vinte) e nunca nos escondemos em nenhuma renúncia. Limitámo-nos a ter sido derrotados, e a pertencer a um mundo de conservadores que quase nunca foram "liberais" Éramos, e seríamos, "da província"; conhecíamos, melhor do que os nossos adversários, as fragilidades e fraquezas das nossas trincheiras. Nunca seríamos "modernos".
O velho Doutor Homem, meu pai, morreu uns meses depois do 25 de Abril, numa manhã chuvosa de Novembro, depois do passeio matinal e de ter escrito uma carta "sobre o tempo que vem" ao seu velho amigo Dr. Palma Carlos, que fora primeiro-ministro por dois meses em 1974. Nela considerava que este não era o seu tempo; mas, a ter sido uma velharia, preferia que se tratasse de uma velharia sem disfarce. Mesmo assim, sobre a escrivaninha tinha o famoso "romance" de Hilda de Toledano, o pseudónimo de Maria Pia de Saxe-Coburgo e Bragança. Era um devoto colecionador de pecados.
Por António Sousa Homem|09.11.16
Correio da Manhã
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